Na área fiscal, o ministro fez em alguns momentos mais do
que se esperava, mas a percepção segue de que ele tem um mandato apenas parcial
de Lula para ajustar a economia
Passou quase despercebido, mas o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, reconheceu na semana passada que a economia brasileira está
sobreaquecida e que será preciso desacelerar a atividade para baixar a inflação
e garantir um maior equilíbrio para as contas externas do país.
A mensagem foi transmitida numa entrevista à “GloboNews” e
procura responder a uma das principais inquietações dos participantes do
mercado, no que diz respeito à política monetária: o receio de que, agora que o
Banco Central colocou em movimento um choque na taxa básica de juros, o governo
possa reagir com mais estímulos fiscais ou parafiscais assim que a economia
perder fôlego.
Haddad procurou convencer que o governo
busca uma harmonia entre as políticas fiscal e monetária, e que não pretende
colocar o pé no acelerador enquanto o Banco Central pisa no freio. Pelo
contrário, a ideia seria seguir com uma política fiscal contracionista,
auxiliando o trabalho dos juros.
O contexto mais geral da declaração de Haddad transmite a
ideia de que o presidente Lula está ciente e concorda com o diagnóstico de que,
para não causar desequilíbrios, a economia precisa desacelerar. O ministro
tocou no assunto durante a entrevista - de forma consciente e repetitiva,
citando termos técnicos, como o chamado “hiato do produto” - um dia depois de
uma conversa de três horas com o presidente da República. E, de fato, essa
visão estaria consubstanciada no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2025, que
previa uma expansão do PIB de 2,63%, assinado pelo presidente Lula. Mais
recentemente, a Fazenda reviu sua estimativa para 2,5%, no Boletim Macrofiscal.
O diagnóstico é corroborado pela Secretária de Política
Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, que divulgou a estimativa de que,
pelo hiato do produto citado por Haddad, a economia está sobreaquecida em 0,96%
no terceiro trimestre, no boletim Resultado Fiscal Estrutural. Toda a
argumentação do documento é na linha de que a política fiscal adotada pelo
governo foi contracionista em 2024, embora na prática a expansão ocorrida em
2023 possa ter atuado de forma defasada no ano seguinte.
Nos seus cálculos, a SPE estima que a economia tenha uma
velocidade de cruzeiro, sem pressionar a inflação, de 2,5%, o que é um pouco
mais otimista do que a estimativa do mercado financeiro, de 2%. A expansão
efetiva do Produto Interno Bruto (PIB) prevista pela Fazenda para 2025 também é
de 2,5%, mas isso não significa, necessariamente, que não vá lidar com o
sobreaquecimento.
Uma parte desse PIB previsto para 2025 reflete efeitos
estatísticos de um desempenho mais forte da economia no fim de 2024. Outra
parte está ligada ao desempenho da agricultura, ou seja, não é o que o Banco
Central chama de PIB cíclico. O próprio BC projeta um PIB de 2,1% em 2025, mas
com crescimento que se desacelera trimestre a trimestre ao longo do ano -
fazendo com que, em junho de 2026, a ociosidade da economia chegue a 0,6%.
Essas contas foram feitas antes do choque de juros que levará a Selic a 14,25%
até março.
Mais do que os números, porém, o que importa é a mensagem
mais qualitativa de que Haddad reconhece a necessidade de desacelerar a
economia. “É o mesmo que dirigir um carro de Fórmula 1. Acelerar é sempre bom?
E se tiver uma curva na sua frente, um muro? Você está com gasolina, tem o pneu
adequado?”, questionou, de forma retórica, Haddad na entrevista à “GloboNews”.
Desde o início do governo, Haddad tem pregado harmonia entre
a política fiscal e monetária, mas o difícil é achar o ponto de equilíbrio. Uma
parte do ajuste fiscal tem sido feito graças à expansão da arrecadação
provocada pelo maior crescimento da economia. Com o aperto monetário, a
atividade econômica será mais fraca, e os ganhos de arrecadação tendem a ser
mais limitados.
No passado, Haddad chegou a reclamar da manutenção dos juros
altos pelo Banco Central. Mas havia capacidade ociosa na economia. Agora, o
diagnóstico é outro: a economia está sobreaquecida e deve haver harmonia das
políticas monetária e fiscal na direção anticíclica, de desacelerar.
A harmonia de diagnósticos na área econômica, porém, não
basta. O controle da inflação depende da decisão política do presidente Lula de
arcar com o custos políticos e os riscos de uma desaceleração da economia.
O presidente deu sinais de comprometimento com a
estabilidade monetária do lado do Banco Central. Manteve a meta de inflação em
3%, no ano passado, e indicou membros ao Comitê de Política Monetária (Copom)
que o mercado considera que têm competência técnica e independência do governo.
O Banco Central, para surpresa de muitos, está usando as
ferramentas para cumprir a meta de inflação. Subiu os juros mais do que estava
na conta do mercado e deixou bem claro na sua comunicação oficial que precisa
lidar com uma economia sobreaquecida.
Na área fiscal, Haddad fez em alguns momentos mais do que se
esperava - o mercado achava que não iria haver reoneração do combustíveis em
2023 nem contigenciamentos de despesas em 2024 - mas a percepção segue de que
ele tem um mandato apenas parcial de Lula para ajustar a economia.
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