Trump implode o multilateralismo e instaura um salve-se
quem puder no mundo
Com a postura imperial e a determinação de usar o poder dos
EUA para impor vontades, crenças e certezas pessoais, Donald Trump está criando
fissuras drásticas não apenas na sociedade americana, mas nos organismos
internacionais e nas alianças regionais. O multilateralismo, que favoreceu
países do porte do Brasil, está em desuso, com instituições desacreditadas,
inoperantes. O mundo não é mais o mesmo. Prevalece a lei da selva, o que
equivale a dizer: salve-se quem puder!
Ao recorrer ao seu poder de veto e impedir
o cessar-fogo em Gaza com um único voto, os EUA, ainda na era Biden, mostraram
o quanto a antes poderosa ONU se tornou irrelevante. Com Trump, o que já estava
ruim só piora e se soma à crescente sede de hegemonia da China, ao voluntarismo
da Rússia, ao descaso de Israel com a comunidade internacional, ao tudo ou nada
do Oriente Médio e ao declínio da Alemanha.
A diplomacia tem de se ajustar aos movimentos do mundo, aos
novos líderes e ao impacto das redes sociais no planeta. Se a ONU está ladeira
abaixo, leva junto toda sua estrutura. Trump, que fala até em anexar o Canadá
(!), já retirou os EUA da OMS (Saúde) e ameaça inclusive aliados americanos de
taxações, sem dar a menor bola para as regras da OMC (Comércio).
O desmonte dos organismos internacionais decanta para os
regionais, inclusive, claro, os da nossa região. A Celac (América Latina e
Caribe), por falta de consenso, não consegue sequer se reunir para discutir uma
questão comum a todos os países, a da deportação de “milhões e milhões” nos
EUA. A OEA (Américas, incluindo EUA) não se entende em questões razoavelmente
simples. E qual será o futuro do Mercosul, com o trumpista Javier Milei
ameaçando retirar a Argentina do bloco e criar muros nas fronteiras?
Voltando: é a lei da selva. O que significa que a diplomacia
é cada vez menos exercitada em torno de consensos e se transformando num
difícil desafio bilateral. As articulações de Brasil, Colômbia e México não
funcionaram nem para o indescritível Nicolás Maduro, como poderiam dar em algo
contra o mais indescritível ainda Trump? Há uma diferença de escala: bastou uma
cara feia e duas ameaças e Trump reduziu a valentia do colombiano Gustavo Petro
a pó.
A “nova diplomacia” tem de pisar em ovos, medir ainda mais
palavras e gestos, mirar alvos certos e identificar com clareza os riscos.
Levar um vareio de Maduro já foi um vexame. Enfrentar Trump seria devastador.
Mas jogar a toalha para absurdos não dá. Há que calibrar ações, reações e
riscos e usar a velha técnica do “homem a homem”, ou país a país. Inclusive com
os EUA de Trump.


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