Dados o caráter não belicista de nosso país e as
fronteiras estáveis com nossos vizinhos, a força militar não é uma preocupação
central. Deveria sê-lo!
Nas relações internacionais, geopoliticamente falando,
embora isso se aplique às relações diplomáticas e comerciais, não há lei no
sentido estrito, pela ausência de um poder coercitivo. Há, sim, regras de
conduta aceitas de comum acordo por Estados para dirimir os seus conflitos, sem
que esses não derivem para a violência. Tratados e mesmo instituições
internacionais dependem, para sua execução e operacionalidade, do arbítrio dos
Estados signatários, sobretudo os de maior força econômica e militar. Em caso de
descumprimento de algum acordo, um Estado determinado pode impor sanções
econômicas, a exemplo das sanções americanas e europeias ao Irã e à Rússia.
Pode eventualmente recorrer ao confronto militar direto ou indireto.
O uso de expressões do tipo “desrespeito ao
Direito Internacional” significa tão só que um acordo não foi honrado ou
expressa uma guerra de outro tipo, a midiática, visando a atingir a opinião
pública, ao enfraquecimento da vontade do Estado beligerante. Argumentos morais
são, também, instrumentalizados politicamente. Exemplo: a retirada americana do
Vietnã. Claro que seria desejável que os conflitos pudessem ser resolvidos
diplomaticamente, mas não é isso que a História mostra. Há uma excelente
formulação de Carl von Clausewitz: “Em assuntos tão perigosos como a guerra, os
erros creditados às almas bondosas são precisamente a pior das coisas”.
Já entramos em uma era de guerra, algumas explícitas, como
na invasão da Ucrânia pela Rússia ou na tentativa do Irã em destruir o Estado
de Israel por intermédio de seus satélites: Hezbollah, Hamas, governo de Bashar
al-Assad na Síria, milícias xiitas do Iraque e os houthis, do Iêmen.
Reconhecimentos internacionais pela Organização das Nações Unidas (ONU), de
décadas, foram simplesmente desrespeitados. Valeu estrategicamente apenas o
emprego da força, resultando na resistência da Ucrânia, atualmente com perda
expressiva de seu território, e na vitória de Israel sobre os satélites
iranianos. A Turquia avança também na Síria, dado o seu apoio aos jihadistas
que derrotaram a ditadura de Assad.
Nesse novo cenário, tornase necessário pôr em perspectiva as
declarações do presidente Donald Trump a respeito da Groenlândia e do Canal do
Panamá. Estão essas declarações sendo consideradas como “bravatas”, com a
cobertura de esquerda procurando ridicularizar o novo presidente. Contudo, sob
a ótica geopolítica, elas devem ser levadas a sério. A Rússia sempre teve um
interesse no Ártico por sua navegação, agora mais possível pelas mudanças de
temperatura da Terra, e com mais razão ainda por seus minerais, petróleo, etc.
A China, embora com maior cautela, seguirá muito provavelmente na mesma
direção.
E a Groenlândia é a maior ilha do mundo, com superfície de
2,18 milhões de quilômetros quadrados. Trata-se de uma terra praticamente
virgem, a ser explorada, com uma população de 58 mil habitantes. O argumento de
que exigem o direito à autodeterminação é geopoliticamente irrelevante. É menos
do que um bairro de uma cidade média brasileira. A Dinamarca, que detém a
soberania dessa ilha, tem, por sua vez, um pouco mais de 5,8 milhões de
habitantes, menos do que a cidade de São Paulo. Não tem nenhuma condição de
enfrentar os EUA ou qualquer outra potência que procure ocupar esse território.
No futuro, certamente terá de fazer algum tipo de compromisso. Trump, por
enquanto, fala de compra, da mesma maneira que o Alasca foi comprado da Rússia.
Enviou essa mensagem em um mundo especialmente conturbado.
A ameaça ao Panamá, reafirmada em seu discurso de posse,
deve-se à rivalidade com a China, que avança comercialmente, sem ostentar o uso
militar nessa região, apesar de fazê-lo em sua intenção de invadir Taiwan. Os
chineses têm demonstrado uma extrema habilidade em fazer “business”, algo
estranho para “comunistas”! Em todo caso, o recado de Trump foi claro: há
limites ao avanço desse novo comércio. O recurso militar americano sempre está
à mão. Seu lema: paz pelo uso da força!
O Brasil deveria olhar atentamente para o processo em curso,
pois poderá ser atingido. Dados o caráter não belicista de nosso país e as
fronteiras estáveis com nossos vizinhos latino-americanos, a força militar não
é uma preocupação central. Deveria sê-lo! Ora, o País tem todo o território
amazônico sob sua soberania, com uma presença fraca do Estado. E se dá
principalmente pelas Forças Armadas, embora de uma forma insuficiente. Os
Estados amazônicos estão cada vez mais submetidos ao contrabando de armas, narcotráfico,
desmatamento ilegal e garimpo. E isso tratando-se da maior reserva ambiental do
planeta! A cobiça internacional encontra-se presente em várias frentes. Poderia
ser essa região objeto igualmente de uma invasão militar ou de atos de
enfraquecimento da soberania nacional.
Urge que o Brasil se volte para essa questão, seja por maior
presença militar, seja impondo a lei, seja por medidas ambientais, seja
combatendo as várias formas de criminalidade aí reinantes. Se não o fizer, o
problema se tornará geopolítico.
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