Por que a ‘direita limpinha’ é tão odiada por bolsonaristas
e petistas
Bolsonaro arrisca-se a cometer o mesmo erro de Lula em
2018, quando Haddad foi opção em cima da hora
O filósofo e sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983),
referência do pensamento liberal, identificou duas formas de conservadorismo. A
primeira, democrática, compreende que as tensões políticas e sociais jamais
serão inteiramente sanadas, mas que é possível reduzi-las com reformas
graduais. A segunda persegue uma ordem eternamente válida, sustentada por um
conjunto de valores absolutos, inquestionáveis. Esse tipo de conservadorismo
pode ser tão autoritário quanto as vertentes revolucionárias da esquerda. Ele
exige adesão completa, sem concessões e negociações, ao movimento que promete
redenção final.
Civilidade, diálogo, respeito à diversidade de ideias e
preocupação com o bem comum eram algumas das qualidades que Aron atribuía ao
conservadorismo afeito à democracia liberal. Na semana passada, Jair Bolsonaro
usou uma expressão lapidar para classificar essa forma de conservadorismo,
ainda que ele a tenha pensado como ofensa. A “di r ei t a limpinha” tem “boa
vontade” (preocupação com o bem comum), faz “gestinho para lá e para cá”
(diálogo), mas “não tem como enfrentar o sistema” (não trocará a ordem estabelecida
pela ordem eternamente válida).
Bolsonaro prefere a direita sujinha, que
planeja golpes de Estado, aniquila direitos estabelecidos, assassina reputações
na internet e conspira com governos estrangeiros contra os interesses do País.
Ele tem medo da direita limpinha, pois vê a possibilidade, ainda que negue, de
que ela possa substituí-lo com sucesso na próxima eleição presidencial, quando
estará inelegível. Com sua insistência em levar até o último minuto sua
inviável pré-candidatura, arrisca-se a cometer o mesmo erro de Lula em 2018, quando
Fernando Haddad foi a opção petista em cima da hora.
O PT e seus satélites também detestam e temem a direita
limpinha, descrita pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), após ser
derrotado na eleição para a Prefeitura de São Paulo, como a direita que sabe se
comportar à mesa. Só Lula, disse Boulos na ocasião, “pode nos livrar da extrema
direita”, acrescentando que a que “come de garfo e faca” é “violenta igual”. Ou
seja, a esquerda lulista odeia a direita limpinha, esforçando-se para colocá-la
no mesmo balaio da sujinha, porque é mais difícil apresentá-la como ameaça à
democracia. Sem isso, as retóricas do “só Lula” e da esquerda como salvação da
democracia não colam. Sem isso, é preciso discutir ideias e comparar resultados
de gestões públicas.
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