Em seu primeiro depoimento sobre planos golpistas,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro implicou ex-primeira-dama Michelle em ala
mais radical
O ministro Alexandre de Moraes mantém sob sigilo os
depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid na
sua colaboração premiada para a investigação dos planos golpistas de 2022/2023.
São mais de dez depoimentos. Veio à tona o primeiro, de 28 de agosto de 2023.
Tem seis páginas, algum método e menciona mais de 20 pessoas.
Segundo Cid, depois da vitória de Lula, três grupos
gravitavam em torno de Jair
Bolsonaro.
O primeiro queria que ele mandasse as pessoas para suas
casas, tornando-se o grande líder da oposição. Nesse núcleo estavam o senador
Flávio Bolsonaro, o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, o advogado-geral da
União, Bruno Bianco, e o brigadeiro Baptista Júnior, comandante da Força Aérea.
O segundo grupo, ainda mais moderado, dizia que “nada
poderia ser feito diante do resultado das eleições”. Uma virada de mesa
“representaria um regime militar por mais 20, 30 anos”. Temiam que radicais
levassem Bolsonaro a “assinar uma ‘doideira’”. Nele, segundo Cid, estavam os
generais Freire Gomes (comandante do Exército), Paulo Sérgio Nogueira (ministro
da Defesa) e Júlio César de Arruda.
Outros moderados queriam que Bolsonaro
deixasse o país. Entre eles estava o empresário do agronegócio Paulo Junqueira,
“que financiou a viagem do presidente para os EUA”.
O terceiro grupo era formado pelos radicais e tinha dois
braços. Um queria achar provas de fraude nas eleições. Nele estavam o major da
reserva Angelo Denicoli e o senador Carlos Heinze. Ele chegou a propor que os
militares sequestrassem uma urna eletrônica “para a realização de testes de
integridade”.
O outro “era a favor de um braço armado”. Nesse depoimento,
Mauro Cid não deu nomes nem detalhes a respeito dessa turma, mas narrou a
gestação da “doideira” que deveria ser assinada por Bolsonaro.
Novembro de 2022, nasce a ‘doideira’
A partir de novembro de 2022, depois do segundo turno,
Filipe Martins, assessor internacional de Bolsonaro, levou-lhe em várias
ocasiões um jurista, “que não se recorda o nome”. Essas conversas resultaram
num “documento que tinha várias páginas de considerandos” e “prendia todo
mundo”, inclusive os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do
senador Rodrigo Pacheco. Ao final, anulava a eleição.
Bolsonaro recebeu várias versões do documento e tirou Gilmar
e Pacheco da lista de prisões. Depois do segundo turno, convocou ao Alvorada os
comandantes militares e mostrou-lhes a minuta. Mauro Cid cuidou da apresentação
por PowerPoint e saiu da sala. Terminada a reunião, ouviu os relatos dos
comandantes
“O almirante Garnier era favorável a uma intervenção
militar, afirmava que a Marinha estava pronta para agir, aguardava apenas a
ordem do presidente Bolsonaro. No entanto, o almirante Garnier condicionava a
ação de intervenção militar à adesão do Exército, pois não tinha capacidade
sozinho.”
Baptista Júnior, da Força Aérea, disse que “era
terminantemente contra qualquer tentativa de golpe de Estado e afirmava de
forma categórica que não ocorreu qualquer fraude nas eleições presidenciais.”
Segundo Mauro Cid, o general Freire Gomes “era um meio-termo
dos outros dois generais”. “Não concordava como as coisas estavam sendo
conduzidas, no entanto, entendia que não caberia um golpe de Estado, pois
entendia que as instituições estavam funcionando.” Mais: “Não foi comprovada
fraude nenhuma, não cabia às Forças Armadas realizar o controle constitucional.
Estavam romantizando o artigo 142 da Constituição.”
Segundo Freire Gomes, o golpe resultaria “num regime
autoritário pelos próximos 30 anos”.
Essa reunião aconteceu no dia 2 de novembro de 2022. Mauro
Cid contou que, sem o respaldo dos comandantes, Bolsonaro “não assinaria” o
documento do golpe. Mesmo assim, “estava trabalhando com duas hipóteses: a
primeira seria encontrar uma fraude nas eleições e a outra, por meio do grupo
radical, encontrar uma forma de convencer as Forças Armadas a aderir a um golpe
de Estado.”
“As outras pessoas que integravam essa ala mais radical eram
o ex-ministro Onyx Lorenzoni, o atual senador Jorge Seif, o ex-ministro Gilson
Machado, o senador Magno Malta, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o
general Mário Fernandes”, que atuava de forma ostensiva, tentando convencer os
demais integrantes das Forças a executarem um golpe de Estado.
Mauro Cid prossegue: “Compunha também o referido grupo a
ex-primeira dama Michelle Bolsonaro.”
O ministro Alexandre de Moraes sabe de tudo isso desde
agosto de 2023. Daí em diante, Mauro Cid voltou a depor em pelo menos mais dez
ocasiões, e o ministro puxou o fio do novelo.
A engenharia virou suco
Foi a repórter Isabela Moya quem avisou: em 2014 os calouros
que entraram em cursos de Engenharia foram 469 mil e em 2023, apenas 358 mil,
uma queda de 23%. Para se ter uma ideia do que esses números significam, em
2023 a China tinha 6,7 milhões de jovens em cursos de Engenharia.
Esse indicador sinaliza um país que anda para trás. Em 1950,
quando o brigadeiro Casimiro Montenegro criou o Instituto Tecnológico da
Aeronáutica, o Brasil andava para a frente. A China comunista andava de
bicicleta e seu PIB havia encolhido a um terço do que havia sido um século
antes. A China andou para trás, até que Deng Xiaoping acordou-a e deu no que
deu.
Durante os anos difíceis da década de 1980, o engenheiro
Odil Garcez Filho perdeu o emprego e decidiu abrir uma lanchonete na avenida
Paulista. Seu diploma ficou exposto ao lado da caixa, e a lanchonete se chamou
“O Engenheiro que virou suco”.
A queda no número de calouros de 2023 indica que no século
XXI é a Engenharia que está virando suco, e não se pode dizer que seja culpa do
governo. Em 2024, Lula criou um campus avançado do ITA em Fortaleza. As aulas
das primeiras turmas de 25 alunos começarão neste ano, com cursos de energias
renováveis e de sistemas de computação, no campus de São José do Campos (SP.)
Em 2026, o ITA começará a funcionar em Fortaleza, com
laboratórios e alojamentos. Os cursos são gratuitos, e os estudantes recebem
casa, comida e roupa lavada.
A queda do número de calouros significa que diminuiu o
interesse pela profissão. Na China, o governo resolve o problema com sua mão
visível, estimulando algumas carreiras e desestimulando outras. No Brasil quem
faz isso é o mercado, e faz de forma imperfeita.
A mensalidade para o curso de Engenharia numa boa escola
privada pode custar em torno de R$ 7 mil. Para os cursos de Administração de
Empresas ou Economia os preços são menores e os salários oferecidos pelo
mercado a quem acaba de deixar a faculdade são maiores. É o jogo mal jogado.
Nos Estados Unidos, empresários do Massachusetts e da
Califórnia criaram dois gigantes, o MIT e o Caltech. Lá, a mão invisível do
mercado empurrou o país para a frente. É o jogo bem jogado. Os magnatas dos
tempos dourados da segunda metade do século XIX sabiam que o país precisava de
engenheiros.
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