quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

A TRUCULÊNCIA NÃO ESCOLHE IDEOLOGIA

Editorial O Estado de S. Paulo

Letalidade policial em Estados governados por diferentes partidos mostra que há muitos ‘Derrites’ no País, fruto de cultura policial violenta e da convicção de que truculência rende voto

O número de mortes causadas por intervenções policiais cresceu em pelo menos dez Estados em 2024, na comparação com o ano anterior, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública. São Paulo, marcado pela sucessão de denúncias de abusos da Polícia Militar (PM) e pela brutalidade como política de segurança que marca a gestão do secretário Guilherme Derrite, é o Estado que lidera esse indesejável ranking, com aumento de 48,61% no período. Um índice que pode ser ainda maior porque os dados de dezembro não foram enviados pela Secretaria da Segurança Pública. Mas a liderança paulista não é, infelizmente, a única constatação relevante dos números: há uma inquestionável – e perturbadora – diversidade partidária e ideológica entre os Estados com mais mortes causadas por policiais.

Minas Gerais, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Distrito Federal, Pará, Alagoas, Tocantins e Piauí vêm abaixo de São Paulo no patamar de crescimento em 2024. Há governos liderados pelo Partido Novo (Romeu Zema), PT (Elmano de Freitas e Rafael Fonteles), PSB (Renato Casagrande e Carlos Brandão), MDB (Ibaneis Rocha, Helder Barbalho e Paulo Dantas) e Republicanos (Wanderlei Barbosa). Sem esquecer a Bahia do governador petista Jerônimo Rodrigues, que, embora tenha reduzido em 8,5% o número de casos de violência por parte de agentes do Estado, lidera o número absoluto de ocorrências: foram 1.557 casos em 2024, ante 1.702 no ano anterior. Já não é de hoje que a polícia da Bahia é das mais violentas do País. Em 2023, uma em cada quatro mortes causadas pela polícia no Brasil ocorreu no Estado administrado há 20 anos pelo PT. Cinco de cada dez cidades brasileiras com a polícia mais mortífera são baianas.

O mais grave, contudo, é que o modo como a violência policial está presente em diferentes governos estaduais demonstra que parece haver muitos “Derrites” espalhados pelo País na liderança das Secretarias da Segurança Pública e no comando das corporações. Como se sabe, o secretário paulista é um ex-PM que se orgulha de ter matado muitos suspeitos e que considera “vergonhoso” um policial que não tenha pelo menos “três ocorrências” de suspeitos mortos a tiro no currículo. Mas seu modelo não é o único problema. Em muitos Estados, há a combinação entre uma cultura policial que costuma tratar suspeitos como bandidos e como seres sub-humanos que não merecem nem direitos nem respeito e a convicção de que a violência desenfreada da PM rende votos e fama. Basta ver, por exemplo, que não só Derrite continua à frente da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, a despeito da péssima repercussão causada pelas imagens de truculência policial, como ainda transita como possível candidato ao governo do Estado ou ao Senado.

Segurança pública costuma estar no topo das preocupações dos brasileiros. Com o medo e a sensação de insegurança em alta e políticas com inteligência em baixa, não raro lideranças políticas seguem um atalho recorrente: operações espetaculosas e uso sem controle da truculência contra suspeitos como uma forma de tornar visível a reação do Estado ao crime. Sob essa inspiração o Brasil vem reduzindo modestamente o número de assassinatos. Em 2024, foram registrados 38.075 homicídios, ante 40.768 do ano anterior. Com redução leve nos homicídios e estabilidade negativa das mortes causadas por intervenção policial, o que tem crescido mesmo é o avanço do crime organizado na estrutura policial – nos transportes, na política e também na polícia, como recentemente revelou uma investigação da Corregedoria da PM de São Paulo, que levou à cadeia nada menos do que 15 homens da tropa e expôs a perigosa infiltração do PCC na corporação.

A história ensina que uma polícia sem controle é a semente das milícias, e que a violência policial sempre caminha com a corrupção. É daí que floresce o crime organizado e se agrava a sensação de insegurança. Afinal, pouca gente se sente segura sem polícia, mas igualmente ninguém fica protegido diante do guarda da esquina que se considera poderoso o suficiente para fazer o que lhe convém.

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