Letalidade policial em Estados governados por diferentes
partidos mostra que há muitos ‘Derrites’ no País, fruto de cultura policial
violenta e da convicção de que truculência rende voto
O número de mortes causadas por intervenções policiais
cresceu em pelo menos dez Estados em 2024, na comparação com o ano anterior,
segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública. São Paulo, marcado
pela sucessão de denúncias de abusos da Polícia Militar (PM) e pela brutalidade
como política de segurança que marca a gestão do secretário Guilherme Derrite,
é o Estado que lidera esse indesejável ranking, com aumento de 48,61% no
período. Um índice que pode ser ainda maior porque os dados de dezembro não
foram enviados pela Secretaria da Segurança Pública. Mas a liderança paulista
não é, infelizmente, a única constatação relevante dos números: há uma
inquestionável – e perturbadora – diversidade partidária e ideológica entre os
Estados com mais mortes causadas por policiais.
Minas Gerais, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Distrito
Federal, Pará, Alagoas, Tocantins e Piauí vêm abaixo de São Paulo no patamar de
crescimento em 2024. Há governos liderados pelo Partido Novo (Romeu Zema), PT
(Elmano de Freitas e Rafael Fonteles), PSB (Renato Casagrande e Carlos
Brandão), MDB (Ibaneis Rocha, Helder Barbalho e Paulo Dantas) e Republicanos
(Wanderlei Barbosa). Sem esquecer a Bahia do governador petista Jerônimo
Rodrigues, que, embora tenha reduzido em 8,5% o número de casos de violência por
parte de agentes do Estado, lidera o número absoluto de ocorrências: foram
1.557 casos em 2024, ante 1.702 no ano anterior. Já não é de hoje que a polícia
da Bahia é das mais violentas do País. Em 2023, uma em cada quatro mortes
causadas pela polícia no Brasil ocorreu no Estado administrado há 20 anos pelo
PT. Cinco de cada dez cidades brasileiras com a polícia mais mortífera são
baianas.
O mais grave, contudo, é que o modo como a violência
policial está presente em diferentes governos estaduais demonstra que parece
haver muitos “Derrites” espalhados pelo País na liderança das Secretarias da
Segurança Pública e no comando das corporações. Como se sabe, o secretário
paulista é um ex-PM que se orgulha de ter matado muitos suspeitos e que
considera “vergonhoso” um policial que não tenha pelo menos “três ocorrências”
de suspeitos mortos a tiro no currículo. Mas seu modelo não é o único problema.
Em muitos Estados, há a combinação entre uma cultura policial que costuma
tratar suspeitos como bandidos e como seres sub-humanos que não merecem nem
direitos nem respeito e a convicção de que a violência desenfreada da PM rende
votos e fama. Basta ver, por exemplo, que não só Derrite continua à frente da
Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, a despeito da péssima repercussão
causada pelas imagens de truculência policial, como ainda transita como
possível candidato ao governo do Estado ou ao Senado.
Segurança pública costuma estar no topo das preocupações dos
brasileiros. Com o medo e a sensação de insegurança em alta e políticas com
inteligência em baixa, não raro lideranças políticas seguem um atalho
recorrente: operações espetaculosas e uso sem controle da truculência contra
suspeitos como uma forma de tornar visível a reação do Estado ao crime. Sob
essa inspiração o Brasil vem reduzindo modestamente o número de assassinatos.
Em 2024, foram registrados 38.075 homicídios, ante 40.768 do ano anterior. Com
redução leve nos homicídios e estabilidade negativa das mortes causadas por
intervenção policial, o que tem crescido mesmo é o avanço do crime organizado
na estrutura policial – nos transportes, na política e também na polícia, como
recentemente revelou uma investigação da Corregedoria da PM de São Paulo, que
levou à cadeia nada menos do que 15 homens da tropa e expôs a perigosa
infiltração do PCC na corporação.
A história ensina que uma polícia sem controle é a semente
das milícias, e que a violência policial sempre caminha com a corrupção. É daí
que floresce o crime organizado e se agrava a sensação de insegurança. Afinal,
pouca gente se sente segura sem polícia, mas igualmente ninguém fica protegido
diante do guarda da esquina que se considera poderoso o suficiente para fazer o
que lhe convém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário