Uma a uma, elas deixam cair a máscara de isenção, de
objetividade e de compromisso com os fatos e mostram sua natureza essencial
Agora ficou escancarado. Depois do pronunciamento que Mark
Zuckerberg divulgou na terça-feira, anunciando que cerrará fileiras com Donald
Trump para combater os projetos de regulação das plataformas, projetos que ele
qualifica de “censórios”, não dá mais para disfarçar. Seguindo o exemplo de
Elon Musk, dono do “X”, antes conhecido como Twitter, Zuckerberg subiu na
carroceria do caminhão extremista do trumpismo, sem pejo, sem molejo e com
sacolejo. A Meta saiu do seu armário de silício para entrar no fanatismo
desvairado.
Eram favas contadas? Sim, eram. Mais cedo ou mais cedo
ainda, a maquiagem escorreria. E escorreu. Está tudo na cara. Agora, ninguém
mais pode alegar que a desinformação e os discursos de ódio propagados
industrialmente pelo maquinário da Meta fossem acidentes de percurso. Não.
Promover o trumpismo e todo o seu ideário – ou todo o seu bestiário – não foi
um efeito colateral, mas a finalidade do conglomerado monopolista global
comandado por Mark Zuckerberg. Detalhe: no seu vídeo, que foi manchete ontem em
jornais do mundo inteiro, ele aparece de camiseta preta. Ato falho? Ou
intencional?
A Meta, detentora do WhatsApp, do Facebook
e do Instagram, tem um poder de fogo – a metáfora belicista vai de brinde –
considerável, um pouquinho maior do que o deste jornal, por exemplo, ou de
todos os diários brasileiros somados, ou mesmo de todos os diários do planeta.
Estamos falando de companhias cujo valor de mercado se conta na casa dos
trilhões de dólares. São as famigeradas big techs. Uma a uma, elas deixam cair
a máscara de isenção, de objetividade e de compromisso com os fatos e mostram
sua natureza essencial: são usinas de propaganda e manipulação a serviço do
autoritarismo. Não têm e nunca tiveram nada a ver com educação ou conhecimento.
Falando em big techs, as coisas não estão melhores nos
domínios da Amazon, de Jeff Bezos. No sábado, a ilustradora Ann Telnaes,
ganhadora do Prêmio Pulitzer, anunciou sua demissão do The Washington Post,
hoje controlado por Bezos. Ann Telnaes acusou o jornal de censurar um cartum em
que ela criticou a subserviência dos bilionários a Donald Trump. Na charge, é
possível reconhecer, entre os magnatas que se dobram ao novo presidente dos
Estados Unidos, a fisionomia assustadiça do dono da Amazon. O Post vetou. Foi
outro sinal tenebrosamente ruim de que os bilionários da maior democracia do
mundo deixam para lá os compromissos com os fundamentos do liberalismo e se
vergam à truculência.
Truculência é a palavra, embora gasta. Barbárie é a palavra,
embora puída. Trump não tem nada a ver com o tal “sonho americano” ou com os
chamados “pais fundadores” da federação que, mais de dois séculos atrás, deu
origem ao Estado mais poderoso do nosso tempo. Trump é um fascista
extemporâneo, tardio e piorado.
O adjetivo “fascista”, que antes os estudiosos procuravam
evitar para não incorrer em anacronismos e imprecisões conceituais, acabou se
impondo. É preciso dar nome às coisas. Recentemente, o grande historiador
americano Robert Paxton, um dos que resistiam a empregar a palavra, reviu sua
posição e admitiu: o que está acontecendo nos Estados Unidos precisa, sim, ser
qualificado como fascismo, ainda que com as cautelas metodológicas de praxe. O
que se passa por lá é mais, muito mais, que um soluço autoritário, e as big
techs estão no cerne da inflexão. Mais do que correias de transmissão
instrumentais, elas são o laboratório que sintetiza a mentalidade
obscurantista, as pulsões violentas, os vetores do ódio, a intolerância, ou,
sejamos precisos, o fascismo em suas roupagens pós-mussolínicas.
As ambições de expansionismo territorial em que Donald Trump
tem insistido de forma escandalosa vêm confirmar essa caracterização. Lembram,
de longe, ou nem tão de longe assim, a velhíssima categoria de “espaço vital”.
A promessa de ocupar países vizinhos ou longínquos para ampliar o poder é marca
registrada do bonapartismo do século 19, do nazismo do século 20 e, agora, do
trumpismo do século 21. Desta vez, as big techs são a alma e a arma do negócio:
estão para Donald Trump assim como o cinema e o rádio estiveram para Adolf
Hitler. Com uma distinção, apenas: elas são mais determinantes hoje do que o
cinema e o rádio foram naquela época.
A partir de agora, o debate sobre “moderação de conteúdo”,
“agências de checagem”, “educação midiática” e “combate às fake news” ficará em
segundo plano. Ficou patente que as big techs não querem mais falar disso. Com
ninguém. Elas querem substituir a era da informação pela era da desinformação,
pois sabem que sua única chance de seguir no gigantismo depende da vigência de
ordens autoritárias, com viés totalitário. Assim como a imprensa só pode
prosperar na democracia, as plataformas sociais só poderão crescer na tirania.
É uma questão de vida ou morte. Para elas e para cada um de nós. O que elas
precisam garantir para viver no luxo em que se arrancharam, sem prestar contas
a ninguém que não seja Trump, é o que nós, cidadãos (ao menos até aqui),
precisamos combater para não morrer.
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