Vivemos a ilusão de que em um momento milagroso
voltaríamos à terra prometida do crescimento veloz
Em março, vai fazer 40 anos que acabou a ditadura
militar. O Brasil não voltou a crescer como se vira na maior parte do
século 20.
Dada a experiência dos países que se industrializaram mais
na base da força bruta, como nós, e considerados os poucos casos de nações que
conseguirem escapar da renda medíocre, não somos caso assim lá extravagante.
Atualmente, o Brasil figura lá pelo meião do ranking mundial da renda (PIB) per
capita.
Como os dados do crescimento anterior à Segunda Guerra
estão sob
debate, considere-se o período seguinte. A renda (PIB) per capita dobrou de
1945 a 1961, por aí. Dobrou de novo de 1961 a 1977. Desde então, até 2023,
cresceu pouco mais de 60%.
Um resumo da discussão das causas desse
fracasso não caberia em uma centena destas colunas modestas. O motivo aqui é
lembrar os 40 anos dessa travessia no deserto, um número bíblico, 40 anos em
que esperávamos, em algum momento depois de tantas derrotas, uma volta à terra
prometida do crescimento econômico, ao menos. A ideia de civilização de fato já
era um desenho desbotado de alguma ficção modernista ou da agitação sem sentido
ou sem sucesso dos anos 1960.
"Esperávamos": era assim para nossos seniores e
professores, agora aposentados ou mortos, e para a minha geração, agora
pré-idosa ou na década final desse percurso.
Há algo de excepcional no nosso resultado medíocre? Um
pecado decisivo? Há o que fazer? Por que não há ação ou reflexão radical?
Depois de 40 anos de devaneio, temos de reconhecer que algo deu muito errado.
Ainda que a mediocridade econômica seja comum, há quem tenha
se virado melhor. Há o caso óbvio de Coreia do Sul.
Há a China,
que nem rica é, mas saiu de enorme pobreza para se tornar potência tecnológica.
Aqui do lado temos o Chile, que fez a
renda per capita crescer 244% desde 1985 (a brasileira cresceu 58%). Há o caso
da Turquia, que cresceu 245%. Há pelo menos uma dúzia de países com tantos ou
menos recursos do que nós e que se viraram, ao menos.
Desde 1985, a renda per capita brasileira cresce ao ritmo
anual de 1,2%. Dobraria em 58 anos. Então, chegaríamos a um nível próximo ao da
Grécia de hoje (ainda uns 15% mais pobres). Ficamos para trás em relação à
média do mundo.
Os 40 anos de derrota deveriam dar o que pensar. Os 40 anos
do povo de Israel pelo deserto seriam metáfora de um tempo necessário de
conversão, de renovação de espírito, de mudança de mentalidade, dizem certas
interpretações religiosas. A comparação é quase apenas ironia deprimida, mas
tem uma boa pergunta. Nos convertemos no quê?
A mudança social e cultural nos últimos 20 anos foi enorme,
mas também nem se arrisca a se tratar disso aqui. Na economia, por
que corremos praticamente atrás do rabo faz já mais de 40 anos? São 40 anos com
ciclos parecidos de altas e baixas, por motivos similares, ciclos que não
redundam em aprendizados, no sentido estrito ou por meio de revolta
transformadora. Isso é uma prova de ignorância (ignorância é não querer saber),
que se soma à nossa precariedade inerte em educação e cultura, coisas que
detestamos.
Depois de 40 anos, deveríamos dar adeus às ilusões. Ou nos
convertemos em uma nação falida sem alarde, encruada, com estamentos
disfarçados, com esmolas que contêm o risco de tumulto maior, o império do
conchavão social implícito?
Nenhum comentário:
Postar um comentário