As relações Brasil-EUA vivem um momento de transição, talvez
um dos mais delicados nestes dois séculos de intercâmbio.
Os EUA não veem o Brasil como prioridade, mas são o segundo
maior parceiro comercial do País. Ator decisivo no mundo, os Estados Unidos são
vistos com um olhar mais favorável pela maioria da população brasileira, como
mostram as pesquisas.
A ascensão de Donald Trump mexeu com os três pontos básicos
da agenda comum: meio ambiente, democracia e direitos sociais. Mas os problemas
começam a surgir com a política de deportação em massa.
O Brasil vive duas consequências da virada política. A
primeira delas é a expulsão de brasileiros transportados em condições indignas
de volta ao País. A outra é a suspensão da verba americana que mantinha o
trabalho da OIM, a agência da ONU que participa do trabalho da Operação
Acolhida aos refugiados venezuelanos que entram no País via Santa Elena de
Uairén-Pacaraima.
São dois momentos que servem também de preparação para os
novos tempos, que demandam sabedoria, paciência e alguma imaginação. A síntese
dessas qualidades parece existir na startup chinesa DeepSeek, que deu um susto
no Vale do Silício, criando uma empresa de inteligência artificial com menos de
10% do orçamento das big techs americanas e a mesma eficácia.
Não temos as mesmas possibilidades. Mas podemos fazer uma
política externa inteligente. No caso dos imigrantes brasileiros, é possível
atendê-los com consulados itinerantes, não com o objetivo de evitar
deportações, pois isso decorre da soberania americana. Mas é possível levar
informação de qualidade que possa, pelo menos, atenuar o desespero a que foram
lançados.
Seria possível também ao Brasil contratar um escritório de
advocacia especializado nos EUA, destinado a entrar em cena nos casos em que
imigrantes possam se amparar nas leis locais.
Isso pode causar alguma reação. Gastar dinheiro com
imigrantes não seria um desperdício? Acontece que os imigrantes despejam
dinheiro no Brasil há muito tempo. Basta visitar Governador Valadares (MG) para
se ter uma ideia desse fluxo.
A questão das algemas e correntes é um pouco mais difícil.
No governo Biden, os brasileiros eram deportados com algemas. O protocolo
americano é muito severo. Lembro-me da ida de Dominique Strauss-Kahn à corte de
Nova York, onde foi acusado de assediar uma camareira de hotel. Ex-dirigente do
FMI, potencial candidato à presidência da França, ele foi depor algemado.
Segundo as postagens do presidente da Colômbia, Gustavo
Petro, os norte-americanos aceitaram deportar colombianos sem algemas. Mas isso
aconteceu porque os aviões eram da Força Aérea Colombiana.
No caso da Operação Acolhida em Roraima, o Brasil pode
cobrir momentaneamente a lacuna americana. Mas, abertos os canais de diálogo, é
possível argumentar que o investimento em acolher e integrar venezuelanos no
Brasil acaba aliviando a pressão sobre os Estados Unidos.
A questão ambiental é um dos pontos críticos da agenda. Não
sei se podemos definir Donald Trump e as big techs como
negacionistas. Trump quer incorporar a Groenlândia, apostando no aquecimento
das geleiras, na abertura de rotas e na exploração do solo.
No discurso de posse, Trump falou em conquistar Marte e Elon
Musk disse que isso iria salvar a civilização. Creio que eles contam com a
colonização do espaço para se tornarem independentes de um planeta que está
sendo destruído.
Sua proposta é crescer, produzir ao máximo e contar com a
tecnologia para resolver os problemas, inclusive o de moldar um ambiente em que
o ser humano sobreviva.
Andam juntos a conquista de Marte e esse grande salto
tecnológico que não só recria o planeta Terra mas também garante até a
preservação da consciência, salva em programas que podem ser introjetados em
outros seres, enfim, uma promessa de imortalidade.
Por enquanto querem apenas ampliar infinitamente sua
fortuna, sem avaliar a rapidez do processo de degradação, o que pode jogar
essas utopias no lixo.
Algumas dessas ideias que propõem um salto à frente,
aumentando a produção e as riquezas e superando os riscos através da
tecnologia, circulam nos EUA e inspiram institutos de pesquisa e reflexão.
Se minhas suspeitas são fundadas, não se pode pensar as
correntes vitoriosas americanas, essa coalizão de Trump e big techs,
como negacionistas do aquecimento global. Eles simplesmente acham que os
ecologistas são uns românticos nostálgicos e que o aumento da produção e do
consumo é o único caminho para salvar a humanidade, seja num planeta
tecnologicamente reconfigurado, seja no espaço sideral.
Pode ser que esteja atribuindo a eles uma teoria que envolve
seu espaço intelectual mas à qual não aderem. Mas acho mais provável vê-los
assim do que como simples negacionistas do tipo Jair Bolsonaro. Trump, com seu
pendor pela Groenlândia, e Musk, com seus carros elétricos, sabem que alguma
coisa está acontecendo e certamente pendem para onde podem tirar as maiores
vantagens de tudo.
Artigo publicado no jornal Estadão em 31 / 01 / 2025
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