É preciso definir quais são as questões prioritárias que
devem ser a bússola até 2026, seja para implementação pelo Executivo, seja para
aprovação no Congresso Nacional
O início do governo Trump causa incerteza, nervosismo e
perplexidade no mundo. Não dá para saber o que será pirotecnia e o que será
efetivamente implementado, mas há boas chances de os demais países terem de
adaptar seus planos de voo à nova política americana. O Brasil poderá ser
atingido também, embora não se saiba em que medida. De todo modo, Lula
inevitavelmente terá de governar nos próximos dois anos de olho nas ações do
trumpismo. Só que terá de adotar essa postura sem perder de vista que a lição de
casa não pode ser esquecida em meio à turbulência externa.
Um bordão resume a estratégia que deveria ser adotada pelo
governo brasileiro: um olho em Trump, outro na própria casa. Parece óbvio,
porém, a avalanche de ameaças, factoides, ações cinematográficas, violência
explícita e propostas de acordo que Trump fará ao mundo nos próximos meses será
enorme. Isso tenderá a nublar a visão dos governantes pelo mundo, o que pode
ocorrer igualmente com o presidente brasileiro.
Claro que será necessário estar muito
atento, como nunca nos últimos 50 anos, à política externa americana. Será
difícil se esconder completamente dos tentáculos de Trump. Não obstante, é
preciso manter-se firme numa agenda mais ampla e profunda, de médio e longo
prazo, relativa ao Brasil. É importante ressaltar isso num momento em que o
governo Lula se perde em questões e debates de curto alcance, com duvidosos
efeitos sobre o país e mesmo sobre o futuro político em 2026.
O fato é que a junção do efeito Trump com problemas de
popularidade imediatos está tornando o governo Lula refém do curto prazo, das
respostas rápidas a todos os problemas. É evidente que neste mundo do
fast-food, tudo é visto como algo urgente e que deve ser solucionado
instantaneamente.
As redes sociais acentuam isso, e o caso do Pix revelou como
os eventos e a interpretação sobre eles podem ganhar uma amplitude e velocidade
nunca vista antes por outras formas de civilização. Ao analisar o capitalismo
do século XIX, Marx disse: tudo que é sólido desmancha no ar. Parece uma boa
profecia, mas ele não tinha a menor ideia de como esse fenômeno seria muito
mais impressionante no século XXI.
Para não ficar preso às falsas respostas de curto prazo, o
governo Lula precisa ser mais estratégico e menos figadal. Quatro questões são
essenciais para mudar esse padrão errático. A primeira é saber antecipar-se aos
problemas, ter uma visão mais preventiva do que curativa. Isso envolve duas
coisas. De um lado, acompanhar melhor a sociedade e os seus vários estratos,
para entender o que aflige a sociedade.
O tema da “taxação do Pix” é falado por bolsonaristas nas
redes sociais desde o início de 2023. Estavam esperando só uma oportunidade
para cravar essa marca, mesmo que falsa, na gestão lulista. Não é possível que
os principais decisores do Palácio do Planalto não estivessem acompanhando essa
discussão.
Não basta apenas acompanhar a movimentação das opiniões e
angústias da população. Para se ter um governado orientado pela prevenção, é
fundamental ter um plano de voo até 2026, com uma lista das principais marcas e
políticas que o governo quer implementar, que dialogue com um diagnóstico dos
principais problemas do país. Dito de outra maneira, o governo Lula precisa
saber quais são os problemas mais importantes do país e como ele quer combater,
fazendo uma ponte disso com a visão da sociedade.
Aparentemente, o governo tem uma proposta muito fragmentada
e nem sempre atualizada de políticas públicas frente aos problemas brasileiros
desta terceira década do século XXI. Neste sentido, o diálogo com a sociedade e
a melhor comunicação com ela são essenciais, todavia são insuficientes se não
houver uma linha clara e coordenada de respostas para resolver os principais
desafios do país.
Ao governo preventivo, baseado no diálogo entre as
preocupações da sociedade com uma proposta consistente de políticas públicas,
deve-se juntar um governo coordenado. Obviamente que é difícil coordenar um
gabinete com uma coalizão tão extensa e heterogênea, com representação do PC do
B ao União Brasil. Não há como escapar de alianças grandes e díspares para
governar a nação.
Outros caminhos levariam a crises ou projetos autoritários.
E se parece ruim esse multipartidarismo centrífugo, pode ser pior quando não há
espaço para a negociação e só impera o veto e a polarização - o que tem
acontecido em outras democracias pelo mundo.
A existência de tais dificuldades governativas torna ainda
mais necessária a coordenação. Em problemas mais agudos, o governo deve ter uma
única voz para cada questão, e que resulte de uma combinação prévia sobre o que
deve ser dito e quem deve falar. Parece disfuncional ter um porta-voz único de
tudo, pois questões diversas precisam ter pessoas diferentes liderando a
resposta governamental.
Por exemplo, as iniciativas recentes de propor medidas de
combate à inflação temporária dos alimentos envolveu falas desencontradas e
propostas lançadas sem estarem maduras. A pessoa certa para liderar essa frente
seria o ministro da Fazenda, que de forma entrosada com o restante do
ministério decidiria quando, como e o que falar.
Somado ao governo preventivo e coordenado, deve-se ter um
governo que saiba comunicar-se com os diferentes públicos. Daí que há problemas
de comunicação com vários estratos da população e, de forma diversa, problemas
de comunicação com os congressistas, com o mercado e com a mídia, tanto a
tradicional como a da internet.
Há mais de uma estratégia comunicativa e é preciso ter uma
diretriz para cada uma delas. Não é o caso simplesmente de se ter um
super-homem para resolver todos esses distintos desafios, embora seja bom ter
um bom chefe da comunicação. O que falta é um padrão para lidar com tais
questões, pois do contrário tudo vira incêndio de curto prazo no campo
comunicacional.
Antecipar-se, ser coordenado e ter um padrão comunicativo
são três elementos que desembocam num último, o cerne daquilo que pode tirar o
governo Lula da dinâmica equivocada do curto-prazismo: ter uma lição de casa
clara e buscar sua resolução. Em outras palavras, é preciso definir quais são
as questões prioritárias que devem ser a bússola até 2026, seja para
implementação pelo Executivo, seja para aprovação no Congresso Nacional.
A noção de lição de casa tem um outro sentido importante: o
aprendizado governamental como forma de melhoria das políticas necessárias ao
país e à população passa por tais tarefas, de modo que não se pode perder muito
tempo e recursos com outros temas e factoides. Esse ponto é importante porque o
papel da oposição, especialmente a atual, que é mestre em criar agendas
extemporâneas, é dispersar o governo, fazer com que ele fique tonto e corra
para o lado errado. Neste momento, os bolsonaristas, mesmo não tendo uma visão
estratégica de país, têm sido bem-sucedidos em desnortear a situação.
A resolução dos problemas internos do país será, em alguma
medida, afetada pela política externa de Trump. Mas é preciso também aqui não
cair na armadilha das respostas rápidas, fáceis e erradas. O governo Lula terá
de ter muita paciência, parcimônia, diálogo amplo, boa comunicação e foco para
não cair nas cascas de banana trumpistas. Mesmo com todos esses cuidados, e
contando com uma diplomacia de excelência, há boas chances de que a política
externa americana exija do Brasil adaptações de rota ou a busca de aliados para
produzir uma resposta mais ampla contra o isolacionismo dos EUA.
A política externa agressiva e turbulenta de Trump será, na
verdade, o maior teste à tradição diplomática brasileira e ao modelo lulista de
política externa - altivo e ativo, como definem seus próceres. Está em jogo a
capacidade de conversar com mais gente, de evitar conflitos e brigas o máximo
possível, de buscar algum tipo de acordo com os EUA, para evitar o jogo de
soma-zero, mesmo que não seja um ganha-ganha igualitário às duas partes.
Provavelmente, o momento mais difícil será neste ano, porque em 2026 Trump terá
a eleição legislativa interna, sempre difícil e com agenda mais local.
Nestas situações em que as ações de Trump forem mais duras e
impactantes, e isso acontecerá não só com o Brasil, será mais fácil responder
bem se o governo estiver seguindo as quatro máximas da política interna
expostas anteriormente: um governo preventivo, coordenado, com padrão
comunicativo e seguindo sua lição de casa a despeito das intempéries de curto
prazo.
Independentemente do que faça Trump, o Brasil tem lições de
casa na educação, na saúde, na segurança, na política econômica, no combate às
desigualdades e pobreza, na infraestrutura e no meio ambiente que continuarão
relevantes em si. Elas vão depender basicamente da qualidade da gestão e
governança internas.
Neste sentido, vale citar aqui o recém-lançado “Anuário
estadual de mudanças climáticas”, fruto de uma ampla parceria da sociedade
civil e de governos subnacionais, que mostra a importância e a situação desse
tema, apontando como resolvê-lo com formas governativas mais adequadas aos
desafios do século XXI. Eis aqui uma lição de casa que o governo Lula não pode
deixar de fazer, mesmo que os EUA tenham saído do Acordo de Paris. Afinal,
nosso futuro como nação e planeta vai além de tudo que possa vir do trumpismo
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