sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

A CÓPIA BRASILEIRA DE TRUMP

José de Souza Martins, Valor Econômico

Na carona que tentaram pegar na candidatura e na eleição do americano, Bolsonaro e o bolsonarismo caíram numa armadilha

O teatro de comédia que se desenrolou quanto ao papel de brasileiros na posse de Donald Trump cumpriu funções reveladoras do muito menos do que para ele são Bolsonaro e os bolsonaristas.

Uma das revelações é a de que Bolsonaro não é o Trump brasileiro, é apenas pretensão de ser. Com a mudança política nos EUA, sendo Trump mediação involuntária do imaginário do bolsonarismo, os Bolsonaros vão se descobrir desconstruídos e revelados pela dialética do que é uma trama de irracionalidades e reciprocidades visíveis e invisíveis. E com eles o bolsonarismo, os cúmplices e coadjuvantes, os sabidos e os ingênuos, os que o integram, civis e militares.

Tanto Trump quanto Bolsonaro consideram-se absolutos. Trump entende que Deus é servo do poder que ele ocupa. Bolsonaro, como se viu em ato supostamente religioso, de que foi protagonista sua esposa que declarou ser a cadeira presidencial de Deus e que Deus designara o marido para ocupá-la.

Na carona que tentaram pegar na candidatura e na eleição do americano, Bolsonaro e o bolsonarismo caíram numa armadilha que revelou serem reles contrafação local de Trump. E do que a eleição de Trump significa nesta realidade política de fim da era clássica do capitalismo. Agoniza o empresário schumpeteriano, criativo. Nasce a era do negocismo e do rentismo ancorados na alta tecnologia.

As personagens decisivas desse sistema econômico que está nascendo, pobre de autenticidade, tendem a ser protagonistas políticos vicários, de alguém como outro que é imaginário, como Bolsonaro em relação a Trump.

O primeiro não repete o segundo sem que o segundo o saiba senão como faz de conta, expressão de sua alienação política e de sua falsa consciência. No entanto, Bolsonaro, sociologicamente, não terá como não expressar as contradições, irracionalidades sociais e anomalias personificadas por Trump.

Ao analisar o golpe de Estado de 1851, na França, que levou Luís Bonaparte ao poder, como Napoleão III, o sociólogo Karl Marx concluiu que a história acontece como tragédia e se repete como farsa. Na relação entre Bolsonaro e Trump, que se expressou na não confirmação do alegado convite aos Bolsonaros e aos bolsonaristas para a cerimônia de sua posse, Bolsonaro descobriu-se como apenas a farsa.

Ele não tem competência para ser cópia de Trump. O desespero dele e da família para se infiltrarem como penetras e coadjuvantes da posse do presidente americano explica-se por essa busca e carência de indícios explícitos de subalternidade por proximidade. É a concepção que eles têm do Brasil.

Por essa fantasia ele se julga figura da direita internacional da Turquia, da Argentina, da Itália e dos EUA. A resposta devastadora de Trump numa entrevista a uma jornalista brasileira, de que os EUA precisam menos do Brasil do que o Brasil dos Estados Unidos, acaba com sua suposta cumplicidade em relação ao político brasileiro.

A revelação mais importante do episódio da posse do americano foi o discurso programático de Trump. O novo governo terá como objetivo minimizar a democracia americana, questionando a legitimidade das instituições para aumentar o poder pessoal do governante. Não o poder da lei, mas o poder da bravata.

O discurso é um elenco de iniquidades que expressam o extremismo reacionário da relativa maioria do povo americano que nele votou. Trump está sobrepondo a bravata à legitimidade de seu mandato. Nos EUA o presidente tem um enorme poder porque é um servo das instituições e da pluralidade de vontades e valores da sociedade. Aqui, Bolsonaro se julga um poder contra as instituições e a sociedade.

Horas depois do discurso, a democracia americana manifestou sua vitalidade e a vitalidade de suas instituições e tradições.

Em cerimônia ecumênica na Saint John’s Episcopal Church, em Washington, a que estiveram presentes o presidente, o vice-presidente e outras autoridades, os que pouco antes haviam aplaudido o discurso reacionário e ameaçador, a celebrante, a episcopisa Mariann Edgar Budde, disse em seu sermão: “Em nome do nosso Deus, peço-lhe que tenha misericórdia das pessoas em nosso país que estão assustadas. Há crianças, há gays, há lésbicas e há transgêneros em famílias democratas, republicanas e independentes, que temem por suas vidas”.

Nos EUA, pelo menos 90% da população vai à igreja nos fins de semana. Antes mesmo da cerimônia religiosa, 22 estados americanos já haviam ido à Justiça contra o ato presidencial que nega o direito à cidadania americana aos filhos de imigrantes nascidos no país. A Justiça já acatou o apelo. A religiosa detalhou o quanto a sociedade americana depende dos imigrantes. Sem os estrangeiros, a sociedade americana não teria condições de existir.

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