Com aprovação de Lula em baixa, será grande a pressão por
adotar medidas que elevarão as despesas
O governo espera divulgar amanhã o resultado das contas
públicas em 2024, que deve ser melhor do que o esperado pelo mercado e apontar
para o cumprimento da meta fiscal do ano. São boas notícias que embutem um
grande risco: o de parecer que está tudo bem. Não está, e o risco é piorar.
Na prévia calculada por Felipe Salto, economista-chefe da
Warren Rena, as contas do governo central (conjunto formado por Tesouro
Nacional, INSS e Banco Central) registraram no mês de dezembro saldo positivo
de R$ 22,2 bilhões. No acumulado do ano, o saldo ficou negativo em R$ 44,6
bilhões, ou 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), metade do déficit de 0,8% do
PIB estimado pelo mercado no início do ano passado.
Para efeitos de meta, devem ser descontados
desse valor os R$ 29 bilhões destinados ao Rio Grande do Sul, o que resulta um
saldo negativo de R$ 15,6 bilhões. Porém, o resultado que realmente conta não é
o apurado pelo Tesouro, e sim o do Banco Central, que usa outra metodologia.
Esse, nas contas de Salto, deve ter ficado negativo em R$ 20,9 bilhões.
Ou seja, a meta teria sido cumprida. O prometido déficit
zero admite um resultado negativo de até R$ 28,8 bilhões.
Esses são cálculos independentes. Mas os números oficiais
devem ser parecidos.
Dar a meta de déficit zero como cumprida mesmo diante de um
rombo de R$ 44,6 bilhões, desconsiderados descontos e margens de tolerância, é
tema de debate entre especialistas. Mas, do ponto de vista formal, é assim que
funciona.
Assim, a área econômica terá resultados positivos para
produzir uma narrativa. Será uma chance de sair das cordas, depois de um final
de 2024 em que a condução das contas públicas, considerada frouxa, ajudou a
elevar o dólar ao recorde de R$ 6,26.
Não que isso deva ser comemorado, mas os leilões de reservas
internacionais feitos pelo Banco Central em dezembro passado, no esforço para
conter a disparada do câmbio, devem ajudar na narrativa governamental. Como as
reservas são adquiridas por meio de dívida, sua venda reduz a Dívida Bruta do
Governo Geral (DBGG).
O mercado estima que a DBGG encerre o ano em 77,7% do PIB,
mas esse movimento das reservas pode reduzir o saldo para 76,1% do PIB, nas
estimativas de Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon Brasil.
Nova queda pode ocorrer em janeiro, para 75,3% do PIB, dessa vez influenciada
pelo dólar mais baixo, na casa dos R$ 5,90.
“As quedas podem não ser tão fortes, e as razões, não as
melhores”, observa. “Mas é a tendência.”
Tudo isso pode ajudar no marketing governamental, que ganhou
força neste início de ano. Porém, os números positivos refletem movimentos
episódicos. Na estrutura, as contas federais continuam deficitárias e carentes
de medidas de ajuste.
O saldo primário do governo central tem rodado na faixa de
0,5% do PIB a 1% do PIB negativos, quando seria necessário um superávit da
ordem de 2,5% do PIB para estabilizar e reduzir a dívida pública, aponta o
economista Sergio Vale, da MB Associados.
Depois da decepção com o pacote de ajuste fiscal do ano
passado, considerado insuficiente para tornar o Orçamento brasileiro mais
sustentável, é grande o ceticismo no mercado quanto à possibilidade de essa
agenda ser retomada no governo Lula, diz. Não há descontrole fiscal à vista nem
melhora estrutural.
Na avaliação de Vale, o ajuste necessário poderá vir só em
2027. Ainda assim, não é uma certeza. Se o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
tem falhado nessa frente, a gestão fiscal no governo do ex-presidente Jair
Bolsonaro também frustrou, avalia. Na sua visão, o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas (Republicanos) pode ter uma compreensão melhor da
importância do ajuste nas contas públicas. Porém, não se sabe ainda se
disputará o Planalto ou uma reeleição ao Palácio dos Bandeirantes. A sucessão
promete ser mais um fator de instabilidade nos mercados.
Mais incertezas residem nas decisões do presidente dos EUA,
Donald Trump, e seus reflexos no Brasil. Esse era mais um motivo para o governo
ter feito um pacote de ajuste mais robusto, diz o economista.
Os números menos ruins para as contas públicas embutem dois
perigos. O primeiro é o governo agir como se estivesse tudo bem no campo
fiscal.
O segundo, mais grave, é o entorno político do presidente
Lula da Silva achar que há espaço para adotar novas medidas. Essa pressão tende
a escalar depois que a pesquisa de opinião Genial/Quaest apontou uma taxa de
desaprovação do governo de 49%, ante 47% de aprovação. Será grande a tentação
de adotar medidas populistas que elevarão as despesas.
Há, além disso, há a já anunciada isenção do Imposto de
Renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil. Como a proposta passará pelo
Congresso Nacional, o custo final é uma incógnita que preocupa os
especialistas.
No fim do século passado, técnicos da área econômica
evitavam alardear bons resultados da arrecadação para não levantar pressões do
Planalto e do Congresso por mais gastos. Também agora, é recomendada prudência.
A melhora é episódica e o desequilíbrio nas contas públicas não foi superado.
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