Facções criminosas aterrorizam países latino-americanos e
buscam infiltrar instituições para garantir impunidade
O Brasil não é o
único país da América Latina cujas instituições se revelam incapazes de deter o
crime organizado. Tráfico de drogas, de pessoas, roubo de combustíveis,
mineração e desmatamento ilegais movimentaram, em 2021, entre US$ 68 bilhões e
US$ 170 bilhões no Brasil, no México e na
Colômbia, segundo análise do grupo Global Financial Integrity. Um estudo do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estimou em 3,4% do PIB o custo do
crime organizado para 22 países em 2022.
Pelas estatísticas das Nações Unidas, o Equador tem
taxa de homicídios de 27 por 100 mil habitantes, o México de 26 e o Brasil de
21, ante média global de 5,8. O crescimento econômico saltaria 30% caso essas
taxas caíssem pela metade nos centros urbanos, segundo o Fundo Monetário
Internacional (FMI). O PIB da região cresceria meio ponto percentual se elas
estivessem na média global. “Pesquisa rigorosa e dados melhores são essenciais
para formular políticas públicas que reduzam o crime com eficácia”, escreveram
Ilan Goldfajn, presidente do BID, e Rodrigo Valdés, diretor do FMI para o
Hemisfério Ocidental. Eles citam êxitos recentes na Jamaica, onde crimes de
gangues caíram 68%, e na província argentina de Rosário, onde houve redução de
65% nos homicídios em 11 meses.
Apesar de essas iniciativas terem partido
do poder público, é frequente que a queda nos assassinatos esteja mais
relacionada ao entendimento entre quadrilhas que à eficiência das polícias. À
medida que se fortalecem, essas quadrilhas escondem-se por trás de negócios
legais e se infiltram nas instituições, até por meio do voto, em geral no nível
municipal. Além de poder político, a intenção é ganhar acesso a orçamentos
públicos e manter os negócios ilegais fora da mira das autoridades.
O Brasil oferece hoje o melhor exemplo dos riscos do crime
organizado. No primeiro semestre, foi descoberta em São Paulo a ligação do
Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa do país, com duas
empresas de ônibus concessionárias de um serviço público. O PCC também está
presente nos setores de saúde, coleta de lixo e assistência social. “Isso
aconteceu na Itália, em concessões para coleta de lixo e outros serviços também
essenciais”, diz o promotor Lincoln Gakiya.
O aumento do poder das organizações criminosas fragiliza a
democracia. A infiltração da Justiça e da polícia mina o poder do Estado de
fazer cumprir a lei. Outro efeito pernicioso da alta na criminalidade é
alimentar a demanda popular por medidas e ações que violam o Estado de Direito,
reduzindo as liberdades civis e abalando a separação dos Poderes. O exemplo
recente mais notório é El Salvador, onde o presidente Nayib Bukele angariou
apoio da população ao realizar milhares de prisões arbitrárias, com violações
flagrantes de direitos humanos. O Equador também seguiu esse caminho e
fracassou.
Há um debate de natureza acadêmica sobre por que as
democracias latino-americanas têm aberto espaço ao fortalecimento desses grupos
criminosos. Uma das hipóteses é que a transição política da região, para
reduzir o risco de retrocesso a regimes de força, enfraqueceu o poder do
Estado. Mas isso não exime de responsabilidade os dirigentes. Faltam políticas
adequadas. Não há solução milagrosa, mas um fato é evidente: sem atuação
conjunta do governo federal e de autoridades locais e sem apoio da Justiça e do
Legislativo, não se irá longe.
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