quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

DECLARAÇÃO DE MARK ZUCKERBERG MERECE REPÚDIO

Editorial O Globo

Se aplicados no Brasil, fim da checagem de fatos e redução de filtros serão alvo da Justiça

Em vídeo, Mark Zuckerberg, presidente da Meta (FacebookInstagram e WhatsApp), anunciou na terça-feira o fim do programa de checagem de fatos e a redução da ação de filtros que automaticamente retiram certos conteúdos das plataformas digitais. As medidas valem inicialmente para os Estados Unidos, mas Zuckerberg declarou que trabalhará com Donald Trump para enfrentar governos que, na sua visão, perseguem empresas americanas e pressionam por censura. Em sua declaração, o criador do Facebook mencionou a Europa e a América Latina, onde leis proíbem a proliferação de discursos de ódio e têm definições de liberdade de expressão distintas. No conteúdo e na forma, as palavras de Zuckerberg são uma desgraça. O plano de impor aspectos da legislação americana a países democráticos e o tom de confronto não têm lugar no mundo civilizado.

Caso confirme a intenção de contrariar leis no Brasil, a Justiça será obrigada a repetir o tratamento dado a Elon Musk. Diante do cenário que se avizinha, também seria salutar o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizar o julgamento da responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos publicados por usuários. O artigo 19 do Marco Civil da Internet prevê punição somente nos casos em que as big techs recebem notificação judicial determinando remoção e não a cumprem. Passados dez anos de experiência, é evidente que tal regra fere direitos fundamentais dos brasileiros. Quando quem tem acesso à Justiça consegue uma ordem judicial, o estrago está feito. A maioria não tem nem como mostrar contrariedade.

Numa outra frente, a defesa do ordenamento jurídico brasileiro precisa se dar no plano das ideias. É oportunista e problemático o discurso de Zuckerberg. O fim da checagem e a flexibilização dos filtros são notícias muito boas para os negócios da Meta, por aumentarem engajamento e receitas. O alinhamento com Trump garante imunidade contra pressões da Casa Branca de todo tipo. A desculpa de que era preciso acabar com as checagens porque estavam sendo feitas com vieses é obtusa. Por que não melhorar o processo? Mais bizarro é o imperialismo explícito na ameaça de impor o entendimento americano de liberdade de expressão. Por questões históricas, países têm conceitos diferentes. Na Alemanha, a legislação proíbe o uso da suástica nazista e o discurso antissemita. As leis brasileiras não permitem ataques ao Estado Democrático de Direito. É uma falácia dizer que faz censura quem não adota a interpretação americana.

Por interesse ou ignorância, expoentes do Vale do Silício têm uma visão equivocada da História da informação. Para eles, a impressão com tipos móveis se disseminou pela Europa, proporcionando a maior circulação de ideias, e, dois séculos depois, aconteceu a Revolução Industrial. Como lembra Yuval Harari, nesse período o continente europeu foi infestado de mentiras e teses conspiratórias que incentivaram as piores guerras religiosas e caças às bruxas. Não faltam exemplos na atualidade para reforçar a necessidade de regulação das redes sociais. O Facebook é acusado de ter contribuído para a morte de milhares em Mianmar ao ter permitido a disseminação de desinformação contra uma minoria. Diante do que está em jogo, as instituições no Brasil precisam ficar atentas aos próximos passos de Zuckerberg. Com serenidade, mas também com firmeza.

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