Se aplicados no Brasil, fim da checagem de fatos e
redução de filtros serão alvo da Justiça
Em vídeo, Mark
Zuckerberg, presidente da Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp),
anunciou na terça-feira o fim do programa de checagem de fatos e a redução da
ação de filtros que automaticamente retiram certos conteúdos das plataformas
digitais. As medidas valem inicialmente para os Estados Unidos, mas Zuckerberg
declarou que trabalhará com Donald Trump para
enfrentar governos que, na sua visão, perseguem empresas americanas e
pressionam por censura. Em sua declaração, o criador do Facebook mencionou a
Europa e a América Latina, onde leis proíbem a proliferação de discursos de
ódio e têm definições de liberdade de expressão distintas. No conteúdo e na
forma, as palavras de Zuckerberg são uma desgraça. O plano de impor aspectos da
legislação americana a países democráticos e o tom de confronto não têm lugar
no mundo civilizado.
Caso confirme a intenção de contrariar leis no Brasil, a
Justiça será obrigada a repetir o tratamento dado a Elon Musk. Diante do
cenário que se avizinha, também seria salutar o Supremo Tribunal Federal (STF)
finalizar o julgamento da responsabilidade das plataformas digitais por
conteúdos publicados por usuários. O artigo 19 do Marco Civil da Internet prevê
punição somente nos casos em que as big techs recebem notificação judicial
determinando remoção e não a cumprem. Passados dez anos de experiência, é evidente
que tal regra fere direitos fundamentais dos brasileiros. Quando quem tem
acesso à Justiça consegue uma ordem judicial, o estrago está feito. A maioria
não tem nem como mostrar contrariedade.
Numa outra frente, a defesa do ordenamento jurídico
brasileiro precisa se dar no plano das ideias. É oportunista e problemático o
discurso de Zuckerberg. O fim da checagem e a flexibilização dos filtros são
notícias muito boas para os negócios da Meta, por aumentarem engajamento e
receitas. O alinhamento com Trump garante imunidade contra pressões da Casa
Branca de todo tipo. A desculpa de que era preciso acabar com as checagens
porque estavam sendo feitas com vieses é obtusa. Por que não melhorar o processo?
Mais bizarro é o imperialismo explícito na ameaça de impor o entendimento
americano de liberdade de expressão. Por questões históricas, países têm
conceitos diferentes. Na Alemanha, a legislação proíbe o uso da suástica
nazista e o discurso antissemita. As leis brasileiras não permitem ataques ao
Estado Democrático de Direito. É uma falácia dizer que faz censura quem não
adota a interpretação americana.
Por interesse ou ignorância, expoentes do Vale do Silício
têm uma visão equivocada da História da informação. Para eles, a impressão com
tipos móveis se disseminou pela Europa, proporcionando a maior circulação de
ideias, e, dois séculos depois, aconteceu a Revolução Industrial. Como lembra
Yuval Harari, nesse período o continente europeu foi infestado de mentiras e
teses conspiratórias que incentivaram as piores guerras religiosas e caças às
bruxas. Não faltam exemplos na atualidade para reforçar a necessidade de
regulação das redes sociais. O Facebook é acusado de ter contribuído para a
morte de milhares em Mianmar ao ter permitido a disseminação de desinformação
contra uma minoria. Diante do que está em jogo, as instituições no Brasil
precisam ficar atentas aos próximos passos de Zuckerberg. Com serenidade, mas
também com firmeza.
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