Governadores devem entender necessidade de diálogo com
Brasília para enfrentar crise na segurança
Ao longo do ano passado, o governo federal rompeu a inércia
e começou enfim a tomar iniciativas no campo da segurança pública, uma das
maiores preocupações dos brasileiros. Primeiro, elaborou a PEC da Segurança —
que amplia as atribuições das polícias federais (PF e PRF) e tenta suprir as
lacunas que limitam o funcionamento do Sistema Único de Segurança Pública
(Susp). No fim do ano, o Ministério da Justiça e Segurança Pública baixou
normas para regular a ação policial. Ambas as medidas encontraram resistência
entre os governadores.
É compreensível que os governos estaduais critiquem o que
consideram uma invasão de suas prerrogativas constitucionais. No caso
específico das normas destinadas a coibir abusos da polícia, é legítima a
preocupação com o risco de paralisia, num momento em que a população mais
precisa das forças da lei. Mas as normas que constam do decreto federal são
sensatas. Nada mais fazem além de estabelecer regras para o uso progressivo e
racional da força pelos policiais, com base em princípios de “legalidade, precaução,
necessidade, proporcionalidade, razoabilidade, responsabilização e não
discriminação”. A profusão de cenas de abusos recentes da polícia justifica que
o governo formalize o óbvio — a força só deve ser usada em último caso — e
imponha condições para isso, como condicionar ao respeito às regras o acesso a
recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).
O preocupante na reação dos governadores ao
decreto foi a divisão ao longo das linhas políticas. Oposicionistas,
concentrados nas regiões Centro-Sul e Sudeste, o qualificaram de “presente aos
bandidos” e chamaram as condições impostas de “chantagem”. A reação chegou ao
ponto de o senador Mecias de Jesus (RR), líder do Republicanos, apresentar
Projeto de Decreto Legislativo para sustar os efeitos das medidas do governo
federal. Em resposta, os governistas, concentrados na região Nordeste,
publicaram um documento de apoio afirmando que o decreto “não altera a
autonomia dos Estados nem as normativas já estabelecidas”.
A abordagem da questão com base em divisões políticas
significa perder uma rara oportunidade de estados e governo federal começarem
enfim a dialogar para estabelecer protocolos mínimos com o objetivo de
enfrentar o crime organizado de modo eficaz e determinado. Há farto noticiário
de reações desmedidas de policiais com vítimas inocentes, revelando o
despreparo das corporações para enfrentar o desafio. No lugar da violência, é
preciso atuar com inteligência. Sem cumprir regras, a polícia passa a
representar uma ameaça à população, em vez de cumprir o dever de protegê-la.
A situação é crítica. Quadrilhas e facções criminosas se
articulam dentro e fora do país, comandam tráfico de drogas e armas,
aterrorizam o país. Por fazer fronteira com os três maiores produtores de
cocaína — Colômbia, Peru e Bolívia —, o Brasil precisa de uma política de
segurança articulada entre os governos federal e estaduais. Em vez de insistir
em ideias demagógicas que sempre deram errado, todos os governadores — de
oposição ou não — deveriam entender a necessidade de cooperação com o governo
federal para que a realidade mude. A alternativa será o poder crescente do
crime organizado sobre o Estado e as instituições.
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