quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

EVANGELIZAR OU PREGAR PARA CONVERTIDOS

Wilson Gomes, Folha de S. Paulo

Lula ignora que o debate público é hoje uma guerra de guerrilhas, disputada trincheira a trincheira, a todo momento

Dentre as razões alegadas por Lula para mudar a comunicação governamental está a convicção de que, sendo o maior comunicador do seu partido, caberia a ele falar mais sobre as ações do governo, participar de programas e conversar com jornalistas em coletivas.

Não serei eu a subestimar o impacto de entrevistas, sonoras e citações de Lula na imprensa e na mídia em geral. Assim como nunca subestimei o corpo a corpo de Bolsonaro no "cercadinho do Alvorada", as lives das quintas-feiras, sua presença digital ou participações em podcasts, que pautaram o jornalismo e os "trending topics" da conversa social.

Mas o fato é que Lula e boa parte da esquerda operam com um modelo de comunicação centrado no jornalismo e nos meios de massa, predominante no século 20, mas que foi transformado (e transtornado) pela fragmentação e balcanização digital da política.

Isso complica ainda mais o papel de Lula na estratégia de comunicação do governo, considerando que o debate público hoje é uma guerra de guerrilhas, disputada trincheira a trincheira, o tempo todo.

Fazer comunicação governamental em tais circunstâncias exige atenção a questões que este governo parece ignorar. Atrevo-me a sintetizar isso em algumas regrinhas simples.

Entenda o público a quem se dirige. Não julgue, entenda. Na atual convulsão política, a sociedade está dividida em públicos singulares e diversos. Os interesses de uns podem ser inconciliáveis com os de outros, mas negligenciar um segmento —como os petistas fazem com "o mercado", "a elite", o agro ou os conservadores— é abrir campo para o adversário.

Apostar tudo em um único público, como os pobres (Lula) ou os identitários progressistas (Janja), é um risco enorme em uma sociedade partida. Negligenciados viram ressentidos, e ondas de ressentimento decidem eleições.

Produza mensagens ajustadas a cada público. Poucas e coerentes. O que se diz à base petista não se diz à Faria Lima, e insistir na retórica identitária esperando que o cristão conservador a aceite é ingenuidade. Uma vez definido o que se quer comunicar, vem a fase da disseminação, que no mundo digital exige repetição, coerência e sensibilidade aos contextos.

Coerência é fundamental. Discursos contraditórios ou dispersos serão explorados pelos adversários e confundem os públicos.

Não pode haver uma estratégia para a Secom e outra para cada ministério, muito menos Lula e Janja falando o que lhes vem à cabeça, gerando barulho e obrigando a comunicação oficial a gastar energia explicando bobagens e mitigando estragos.

Escolha entre confirmar os crentes ou evangelizar os descrentes. Bolsonaro apostou em radicalizar sua base e confiou que o antipetismo faria o resto. Quase deu certo. Lula parece adotar estratégia semelhante, focando em sua "opção preferencial pelos pobres".

O identitarismo de Janja traduz isso como "opção preferencial pelas vítimas", enquanto, na visão de Gleisi Hoffmann, é mais uma "aversão preferencial pelo capitalismo e pelo imperialismo". De todo modo, trata-se de uma pregação voltada para os mais fervorosos entre os convertidos.

Olhe para fora da bolha. Petistas, lulistas, funcionários públicos e identitários de esquerda não irão a lugar algum — sabem que, sem Lula, suas chances políticas são nulas.

Por outro lado, os donos do dinheiro, o agronegócio, os conservadores religiosos, os empreendedores e "os que se viram" não são alcançados pela retórica da opção preferencial pelos pobres e precisam ser disputados. Além disso, há os brasileiros independentes —que não foram marcados pelo bolsonarismo nem são petistas convictos—, de 30% a 40% do eleitorado, e que estão para jogo.

Se a aposta for na coerência ideológica, na afirmação da própria superioridade moral e na pregação para convertidos, a comunicação do PT deve continuar falando para os identitários do Leblon e os anticapitalistas de Gleisi Hoffmann.

Bolsonaro trilhou esse mesmo caminho. Até a aposta moral é a mesma: se houver justiça neste mundo, merecemos ganhar. Falhou, mas vai ver que funciona desta vez.

No fim, é tudo uma questão de prioridades. Ou Lula convence a sociedade de que governa para todos — inclusive para aqueles que a esquerda tradicional e os identitários progressistas detestam— ou terá trabalho no próximo campeonato eleitoral.

A convicção de que merece ganhar já está em uso. E se não vencer? Bem, será culpa do mercado financeiro, das fake news, dos pobres de direita, de quem normalizou a extrema-direita ou, enfim, da comunicação, que não soube divulgar os feitos do governo.

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