Estrutura produtiva brasileira passa ser mais sensível a
decisões de China, Ìndia e Rússia, e não só de EUA e UE
Praticamente coincidindo com a volta de Donald Trump à Casa
Branca, o Ipea (Instituto de Pesquisa Economica Aplicada), vinculado ao
Ministério do Planejamento, acaba de publicar um texto para discussão sobre a
origem geográfica dos bens de produção na economia brasileira assinado pelo
economista Renato Baumann.
Normalmente, como lembra Baumann, as análises de relações
econômicas entre dois países ou grupo de países concentra o foco no comércio
(superávit ou composição da pauta de exportações e importações) e nos fluxos de
recursos (magnitude e ritmo de investimentos diretos e de fluxos financeiros
bilaterais).
Mas ele explica que adotou um foco
diferente, buscando identificar o peso de alguns parceiros selecionados sobre a
capacidade potencial de influenciar a estrutura produtiva do Brasil pela oferta
de bens de produção. Pela lógica geoeconômica, quanto mais intensa a
participação no emprego desses bens no processo produtivo local, maior a margem
para a influência econômica e eventualmente política sobre o país.
Foram levados em conta dois períodos, imediatamente antes e
logo após a pandemia de covid-19. A estrutura produtiva está associada ao
fornecimento de máquinas, equipamentos, partes, peças, componentes e
matéria-prima.
O estudo aponta “indicações relevantes” de “notável avanço”
do Brics no Brasil (sobretudo a China, mas não apenas ela), com um processo de
substituição, e redução de participação dos EUA e da União Europeia (UE) nas
trocas bilaterais.
O peso dos países que formam o Brics ampliado no total das
exportações brasileiras aumentou de 34,6% para 35,6% entre 2018-2019 e
2021-2023. Já os embarques brasileiros para os Estados Unidos e UE declinaram
de 27,2% para 25,2%.
Os Estados Unidos e a UE tiveram também perda de peso
relativo na origem dos produtos importados pelo Brasil, caindo de 37,4% para
34,7%. Por sua vez, o grupo Brics aumentou sua fatia de 26% para 32% nas
compras brasileiras no exterior.
Especificamente sobre os bens de produção provenientes dos
Estados Unidos e da UE, igualmente tiveram ligeira queda de participação de 37%
para cerca de 35%. Já o Brics ampliado aumentou sua fatia de quase 30% para
mais de 35%.
Mesmo nas áreas de manufaturados em que permanece o
predomínio dos produtos americanos e europeus, a entrada de bens fornecidos
pelo Brics subiu bastante. Nos setores produtivos considerados na matriz de
insumo-produto brasileira, o aumento de fatia dos produtos do Brics é uma
característica de quase todos os setores no período pós-pandemia, segundo o
estudo.
Em químicos e derivados, o peso relativo dos produtos vindos
dos Estados Unidos e da UE era 65% mais elevado que o dos produtos do Brics
antes da pandemia. Caiu para 12% no período mais recente.
Em manufaturados segundo o material, a fatia dos Brics já
era 28% mais elevada, e o diferencial aumentou para 65% nos últimos anos. Em
máquinas e material de transporte, a fatia dos Estados Unidos e da UE era 11%
superior à do Brics, mas esse diferencial foi reduzido para pouco mais de 1%
recentemente.
Em manufaturas diversas, a vantagem dos produtos americanos
e europeus era quase três vezes a participação do Brics. Caiu para 43%.
É preciso ver que, de modo geral, os preços médios dos
produtos americanos e europeus aumentaram várias vezes mais que o ocorrido nos
preços médios dos produtos do Brics entre os dois períodos analisados.
O aumento da presença no mercado brasileiro de bens de
produção pelo grupo Brics é importante, mas, nota Baumann, não significa que as
mercadorias americanas e europeias tenham passado a ter participação marginal
nas importações brasileiras dessa categoria.
Mas é inegável que a estrutura produtiva brasileira passa
ser mais sensível a decisões de política e ajustes ocorridos em Pequim, Nova
Déli e Moscou, e não só em Washington e Bruxelas.
A alteração ocorrida em um intervalo de tempo relativamente
curto, em favor principalmente de seus sócios originais do Brics - China,
India, Rússia e África do Sul -, chama atenção para a dimensão geoeconômica,
pela alteração dos vínculos econômicos no núcleo central dos processos
produtivos.
Em tempos de “desencontro” entre parceiros importantes, o
alinhamento de posições no cenário internacional pode vir a ter implicações
sobre o processo produtivo, avalia Baumann.
No cenário de intensificação da concorrência acirrada entre
grandes potências, aumenta a chance de o acordo comercial UE-Mercosul ser
ratificado mais rapidamente em Bruxelas. Países como a Alemanha querem
recuperar mercados. De seu lado, Trump continuará ameaçando tudo e todos.
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