Tabelar preços de alimentos é uma maldição, o último
estágio da perda de controle da inflação, depois do congelamento de tarifas
públicas e preços dos combustíveis
Não tem como não lembrar do velho samba de Noel Rosa: “Quem
é você que não sabe o que diz?/Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!”. Mais uma
patacoada do governo na área econômica, depois de uma semana em que foi
nocauteado nas redes sociais com a história da fiscalização do Pix, por uma
onda de fake news contra o governo, por causa de uma zelosa instrução normativa
da Receita: o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, empoderado como se fosse
um primeiro-ministro, anunciou que o governo federal fará “intervenções” para
reduzir o preço dos alimentos.
Segundo o Índice de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA), o preço dos alimentos ficou 8,23% mais caro no acumulado de 2024,
acima dos 4,83% do índice geral. A inflação da comida que vai para a mesa dos
pobres assombra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda mais depois da
história do Pix, porque é um assunto que atinge diretamente sua principal base
eleitoral — os brasileiros com renda de até dois salários mínimos.
A onda de boatos de que o governo cobraria impostos dos
trabalhadores informais que utilizam o Pix, pela primeira vez, havia criado um
ambiente adverso para Lula junto aos seus eleitores mais fiéis. Por essa razão,
o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acabou muito desgastado. E o
ex-governador baiano, que controla o Palácio do Planalto, saiu fortalecido na
longa queda de braço que mantém com a equipe econômica para não cortar gastos
do governo, principalmente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que
está sob sua gestão. Nenhuma medida governamental, agora, pode ser divulgada
sem autorização de Rui Costa.
“A princípio, nós vamos fazer algumas reuniões com o
ministro da Agricultura, com o ministro do Desenvolvimento Agrário, que pega as
pequenas propriedades, e o Ministério da Fazenda, para a gente buscar um
conjunto de intervenções que sinalizem para um barateamento dos alimentos”,
declarou Costa, no programa Bom Dia, ministro, da EBC.
Como sempre, a soberba põe tudo a perder. O ministro da Casa
Civil discorreu sobre a inflação de alimentos como se tivesse uma varinha de
condão para resolver o problema. Destacou o impacto da exportação e do aumento
do poder aquisitivo para a subida dos preços, e disse esperar que, com a safra
de 2025, vários alimentos fiquem mais baratos.
Com razão, atribuiu a alta nos preços a questões climáticas,
como as enchentes no Rio Grande do Sul, que destruíram parcela considerável da
produção de arroz. Sim, eventos extremos foram a principal causa, com impacto
na produção de café, carne, leite, frutas, entre outros produtos.
“As redes de supermercados sugeriram algumas medidas, e nós
vamos implementá-las agora, neste primeiro bimestre. Vamos, a partir dessas
primeiras reuniões, ouvindo também os produtores, buscar medidas que consigam
reduzir o preço dos alimentos”, disse ainda Rui Costa, sem especificar nada,
atalhando o ministro da Fazenda, a quem cabe coordenar a área econômica do
governo.
Maldição econômica
Tabelar preços de alimentos é uma maldição, o último estágio
da perda de controle da inflação, depois do congelamento de tarifas públicas e
preços dos combustíveis com o mesmo objetivo. Diante do zunzunzum que se formou
no mercado, à tarde, a assessoria da Casa Civil mitigava as declarações de
Costa, que teria usado uma expressão inadequada — “intervenções” em vez de
“medidas”.
Porém, não veio a público admitir que havia falado bobagem.
Diria Noel, ao final de Palpite Infeliz, um de seus sambas mais antológicos:
“Pra que ligar a quem não sabe/ Aonde tem o seu nariz?”
Na verdade, o governo foi salvo, ontem, pela queda do dólar,
que voltou ao patamar inferior a R$ 6,00, uma excelente notícia para Haddad. A
moeda norte-americana encerrou o dia cotada a R$ 5,94, menor valor desde 27 de
novembro, quando ficou em R$ 5,91. Na mínima da sessão de ontem, chegou também
a R$ 5,91. Esse resultado foi atribuído às declarações do novo presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, que reforçou a promessa de impor tarifas de 10% à
China e à União Europeia. Também considerou alíquotas de até 25% contra o
México e o Canadá. Como não assinou nenhuma medida efetiva, o mercado acalmou.
Havia o receio de que a sobretaxação dos produtos
importadores viria logo no primeiro dia de mandato. Segundo os analistas, o
aumento de impostos sobre importações é um fator inflacionário nos EUA, o que
desvaloriza o dólar. Isso acaba beneficiando o real. Outro fator foram as
discussões no Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), em Davos, na
Suíça.
A propósito, mais de 350 líderes governamentais participarão
do evento, incluindo 60 chefes de Estado e de governo — entre os quais Trump,
por meio de uma ligação de vídeo ao vivo para um diálogo interativo com os
participantes, e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Ding
Xuexiang, vice-primeiro-ministro da República Popular da China; Javier Milei,
presidente da Argentina; Olaf Scholz, chanceler da Alemanha; Roberta Metsola,
presidente do Parlamento Europeu; Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul;
e Pedro Sánchez, primeiro-ministro de Espanha, também estarão presentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário