Guerra civil deixa 26 milhões sem comida, mas a
comunidade internacional ignora catástrofe
Enquanto o mundo presta atenção às vítimas dos conflitos na
Ucrânia ou no Oriente Médio, a maior tragédia humanitária do planeta passa
despercebida. Ela ocorre na África, mais especificamente no Sudão, onde 26
milhões, cerca de metade da população, padecem com falta de comida, e 10
milhões sofrem de “insegurança alimentar grave” — eufemismo para fome. “Nunca
na História moderna tanta gente passou fome como hoje no Sudão”, afirma
relatório da ONU.
Ex-colônia britânica, com forte influência do Egito, o Sudão
se tornou independente em 1956 e, desde então, vive em instabilidade. Na origem
da crise atual está uma guerra civil entre as forças oficiais e milícias de
várias etnias. Depois de frequentar o noticiário no início dos anos 2000, em
razão dos conflitos que resultaram no genocídio de Darfur, o Sudão ainda
preocupa as agências humanitárias, mas não mobiliza a opinião pública. O
presidente americano, Joe Biden, fez um apelo aos grupos em luta para que
permitam o acesso à população e para que parem de matar civis. Não foi ouvido.
Não houve qualquer clamor de outros países em prol da população civil indefesa.
O conflito étnico já matou pelo menos 24 mil pessoas e
tornou o Sudão palco de um dos maiores deslocamentos involuntários da História
recente. Dezenas de milhões foram forçados a abandonar suas casas. A violência
prejudica a colheita, inflacionando os alimentos. Mesmo produtos básicos estão
fora do alcance do sudanês médio. A fome no Sudão é descrita como “maior
catástrofe humanitária do mundo” por Alex Marianelli, diretor do programa de
alimentos da ONU para o país.
Para piorar, não é fácil levar ajuda à população. A guerra
atravanca o deslocamento. O choque entre forças militares e milícias bloqueia o
transporte de alimentos e remédios enviados por agências internacionais. Há
ações deliberadas de milícias para impedir a ajuda. Em setembro, a organização
Médicos sem Fronteiras (MSF) foi forçada a suspender por mais de uma semana o
tratamento de 5 mil crianças desnutridas em Darfur do Norte, em razão de
bloqueios e obstruções de estradas.
Refugiados tentam fugir em direção ao vizinho Chade. Num
campo de sudaneses que escaparam da guerra, mesmo sob cuidados médicos, sete
crianças morreram de desnutrição entre maio e setembro. Noutro campo
administrado pelo MSF, havia 340 casos de desnutrição severa. “Neste momento,
pessoas morrem de fome por causa de homens com armas e poder que têm negado
comida a mulheres e crianças”, diz Jan Egeland, responsável pelo Conselho de
Refugiados da Noruega. Ele acusa os grupos em conflito de bloquear as remessas
das organizações internacionais.
No início de 2024, por falta de recursos, o Programa Mundial
de Alimentos teve de cortar pela metade a remessa a campos de refugiados
sudaneses no Chade. É inaceitável que a dor e o sofrimento dos milhões de
sudaneses sejam desprezados. A comunidade internacional deveria dedicar tanto
tempo e energia ao conflito no Sudão quanto tem dedicado a outras guerras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário