O próprio conceito está sob forte disputa
O retorno de Trump à
Casa Branca, por meio do voto, deixou claro que o discurso de defesa da
democracia não foi suficiente para afastá-lo do poder. Ainda que mais de dois
terços dos eleitores norte-americanos manifestem
temor pelo destino da mais antiga democracia do mundo, isso não impediu a
eleição de um candidato abertamente hostil às instituições democráticas. Mais
do que isso, os eleitores sequer tiveram a precaução de eleger uma maioria
parlamentar capaz de impor certos limites ao novo/velho presidente.
Como explicar esse aparente paradoxo ou, ao menos, essa
falta de cautela por parte da maioria dos eleitores?
Uma explicação, que vem sendo sustentada por diversos
analistas, é que o próprio conceito de democracia está
sob forte disputa. Enquanto para o campo liberal a democracia é uma forma de
governo em que o exercício do poder pela maioria só será legítimo quando
balizado pela constituição e em conformidade com os direitos humanos, inclusive
direitos de minorias, para populistas muitos desses direitos e balizas
constitucionais são descritos como obstáculos espúrios à plena realização da
vontade do povo, devendo, portanto, ser abandonados.
O ressentimento ou a frustração de muitos
eleitores com os rumos tomados pelas democracias liberais, especialmente com o
modo como as elites manipulam o sistema a seu favor, têm favorecido o
surgimento de líderes populistas que prometem acabar com tudo isso. Nesse
sentido, populistas se apresentam não apenas como os autênticos interpretes da
vontade do povo, mas como os únicos dispostos a desatar as amarras que contêm o
poder dos cidadãos.
Portanto, para aqueles que estão furiosos com o desempenho
das democracias liberais, não há nenhuma contradição entre ter compromisso com
a democracia e escolher candidatos hostis às instituições da democracia
constitucional.
Neste contexto, dois são os desafios dos que se encontram no
campo da democracia liberal ou constitucional. O primeiro é tornar essas
democracias mais efetivas. Temas como prosperidade, integridade e segurança,
capturados pelos populistas, têm que ser melhor resolvidos. Mais do que isso, a
inclusão, tema tradicionalmente central aos progressistas, não pode ser uma
ilusão. A luta pela afirmação das identidades, essencial para enfrentar a
injustiça e discriminações históricas, não pode estar descolada para a questão
de classe. A defesa mais efetiva da democracia passa pela capacidade das
democracias existentes de promover bem-estar.
O segundo desafio é demonstrar que governos populistas, que
desprezam os mecanismos de controle, os freios e contrapesos, o princípio da
legalidade e os direitos dos mais fracos, são ruins para o desenvolvimento
econômico e social. Além do que são o caminho mais curto para a corrupção, o
fortalecimento das oligarquias, o desrespeito e o desdém com os infortúnios dos
menos favorecidos. Mesmo em temas como a segurança, o chamado populismo penal
tem se demonstrado um fracasso. O Brasil, onde esse discurso tem triunfado ao
longo de décadas, é exemplo desse retumbante fracasso.
Para sair das cordas, a democracia liberal ou a combalida
social democracia, precisam se reencontrar com os anseios das pessoas comuns e
renovar sua caixa de ferramentas. Mais fácil dizer do que fazer. Mas o custo de
não tentar será alto.
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