sábado, 25 de janeiro de 2025

O VALOR DO NOSSO CINEMA

Editorial Correio Braziliense

Podemos, sim, sonhar com a premiação para uma obra que mostra ao Brasil e ao mundo um passado que não pode ser esquecido nem tratado com irresponsabilidade

Com Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva, o filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, concorre ao Oscar de 2025 em três categorias: melhor filme internacional, melhor atriz e melhor filme. Não foram surpresas as indicações para as duas primeiras categorias. Porém, a disputa pela condição de melhor filme é um enorme salto para o nosso cinema, pois trata-se de uma equiparação às melhores produções cinematográficas entre milhares dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França e do Canadá.

É um feito histórico que projeta o nosso cinema a um novo patamar, seja de qualidade, seja de audiência, o que nos fará muito bem do ponto de vista da autoestima dos brasileiros, da valorização de nossa identidade cultural e, sobretudo, da importância da democracia para o nosso país. No topo da premiação de maior prestígio nos Estados Unidos, o longa-metragem é uma contundente denúncia política, em forma de drama de família, numa conjuntura muito especial tanto para nós quanto para a sociedade norte-americana.

Ainda estou aqui retrata a vida da família do ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, sequestrado e assassinado no quartel da Polícia do Exército da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, Rio de Janeiro, em 1971. Mais de 50 anos depois, a história resgata um passado sombrio, o regime militar instalado após o golpe que destituiu o presidente João Goulart, em 1964. Entretanto, faz isso com enorme sensibilidade e de forma nem um pouco panfletária. É pura dramaturgia.

Sucesso de bilheteria e faturamento, ao contrário de outras obras do gênero que também retratam os anos de chumbo, o filme dirigido por Walter Salles é emocionalmente denso e contido, embora muito forte do ponto de vista político. Ainda estou aqui é inspirado no livro, lançado em 2015, de Marcelo Rubens Paiva, escritor, dramaturgo e jornalista paulista, filho do ex-deputado federal do PTB cassado durante a ditadura militar.

Na categoria de melhor filme, a indicação já é uma enorme conquista. Concorrem ao prêmio as maiores indústrias do cinema de Hollywood, como A24, Netflix, Amazon, Mubi, Universal e outras. O fato de Ainda estou aqui ter sido indicado nessa categoria, porém, aumenta a chance de levar a estatueta de melhor filme internacional, uma disputa dura com o francês Emilia Pérez, de Jacques Audiard, que também concorre na categoria principal.

As maiores oponentes de Fernanda Torres na disputa pela estatueta de melhor atriz serão Demi Moore, que também levou o Globo de Ouro de Melhor Atriz, na categoria Musical/Comédia, por Substância, e Karla Sofia Gascón, primeira atriz trans a ser indicada ao prêmio.

Por mais que se diga que uma premiação não é o mais importante e que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas norte-americana — The Academy — esteja subordinada aos interesses comerciais, o Oscar é o maior reconhecimento que a indústria cinematográfica oferece à Sétima Arte. 

Podemos, sim, sonhar com a premiação para uma obra que mostra ao Brasil e ao mundo um passado que não pode ser esquecido nem tratado com irresponsabilidade. Os crimes cometidos pelo Estado ditatorial precisam ser relembrados para que nunca mais atentem contra a democracia. A festa verde e amarela tem dia e hora marcados: 2 de março, às 20h (hora Brasília), em pleno domingo de Carnaval.

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