Podemos, sim, sonhar com a premiação para uma obra que
mostra ao Brasil e ao mundo um passado que não pode ser esquecido nem tratado
com irresponsabilidade
Com Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva, o filme Ainda
estou aqui, de Walter Salles, concorre ao Oscar de 2025 em três categorias:
melhor filme internacional, melhor atriz e melhor filme. Não foram surpresas as
indicações para as duas primeiras categorias. Porém, a disputa pela condição de
melhor filme é um enorme salto para o nosso cinema, pois trata-se de uma
equiparação às melhores produções cinematográficas entre milhares dos Estados
Unidos, do Reino Unido, da França e do Canadá.
É um feito histórico que projeta o nosso cinema a um novo
patamar, seja de qualidade, seja de audiência, o que nos fará muito bem do
ponto de vista da autoestima dos brasileiros, da valorização de nossa
identidade cultural e, sobretudo, da importância da democracia para o nosso
país. No topo da premiação de maior prestígio nos Estados Unidos, o
longa-metragem é uma contundente denúncia política, em forma de drama de
família, numa conjuntura muito especial tanto para nós quanto para a sociedade
norte-americana.
Ainda estou aqui retrata a vida da família
do ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, sequestrado e assassinado no quartel da
Polícia do Exército da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, Rio de Janeiro, em
1971. Mais de 50 anos depois, a história resgata um passado sombrio, o regime
militar instalado após o golpe que destituiu o presidente João Goulart, em
1964. Entretanto, faz isso com enorme sensibilidade e de forma nem um pouco
panfletária. É pura dramaturgia.
Sucesso de bilheteria e faturamento, ao contrário de outras
obras do gênero que também retratam os anos de chumbo, o filme dirigido por
Walter Salles é emocionalmente denso e contido, embora muito forte do ponto de
vista político. Ainda estou aqui é inspirado no livro, lançado em 2015, de
Marcelo Rubens Paiva, escritor, dramaturgo e jornalista paulista, filho do
ex-deputado federal do PTB cassado durante a ditadura militar.
Na categoria de melhor filme, a indicação já é uma enorme
conquista. Concorrem ao prêmio as maiores indústrias do cinema de Hollywood,
como A24, Netflix, Amazon, Mubi, Universal e outras. O fato de Ainda estou aqui
ter sido indicado nessa categoria, porém, aumenta a chance de levar a estatueta
de melhor filme internacional, uma disputa dura com o francês Emilia Pérez, de
Jacques Audiard, que também concorre na categoria principal.
As maiores oponentes de Fernanda Torres na disputa pela
estatueta de melhor atriz serão Demi Moore, que também levou o Globo de Ouro de
Melhor Atriz, na categoria Musical/Comédia, por Substância, e Karla Sofia
Gascón, primeira atriz trans a ser indicada ao prêmio.
Por mais que se diga que uma premiação não é o mais
importante e que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas
norte-americana — The Academy — esteja subordinada aos interesses comerciais, o
Oscar é o maior reconhecimento que a indústria cinematográfica oferece à Sétima
Arte.
Podemos, sim, sonhar com a premiação para uma obra que
mostra ao Brasil e ao mundo um passado que não pode ser esquecido nem tratado
com irresponsabilidade. Os crimes cometidos pelo Estado ditatorial precisam ser
relembrados para que nunca mais atentem contra a democracia. A festa verde e
amarela tem dia e hora marcados: 2 de março, às 20h (hora Brasília), em pleno
domingo de Carnaval.
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