Cruzada contra os mototáxis em São Paulo será inútil,
pois se há oferta é porque há demanda por transporte não atendida por outros
modais. É com isso que o prefeito deveria se preocupar
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), está em uma
cruzada contra as empresas de aplicativos de transporte 99 e Uber, que
recentemente passaram a oferecer mototáxis na capital paulista. As empresas,
por sua vez, também têm travado uma batalha judicial contra a Prefeitura para
manter a oferta do serviço. Elas alegam estar amparadas pela legislação e até
por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de repercussão geral.
Imbróglio jurídico à parte, uma coisa é certa: se há oferta de mototáxis é porque
há demanda por transporte não atendida por outros modais. É com isso que o
prefeito deveria estar preocupado.
Nunes aduz razões de segurança para tentar impedir a
circulação dos mototáxis, inclusive empregando termos duros para se referir às
empresas, as quais ele acusa de promoverem uma “carnificina” na cidade de São
Paulo. Ora, se a segurança no trânsito é realmente a principal preocupação do
prefeito, seu governo deveria estar muito mais empenhado em conter as
barbaridades que motociclistas praticam no dia a dia da maior cidade do País
desde muito antes de a 99 e a Uber começarem a oferecer o transporte de passageiros
sobre duas rodas.
Não há paulistano que saia às ruas hoje e não testemunhe
motociclistas dispostos a matar ou morrer em cada cruzamento da cidade para
economizar tempo ou até mesmo por diversão. É corriqueiro o desrespeito aos
semáforos, aos limites de velocidade e às ciclovias, transformadas, na prática,
em “vias expressas” para as motos, entre outras infrações de trânsito. E essa
bandalheira urbana se instalou em São Paulo, obviamente, sem que uma sombra de
fiscalização municipal ameace a audácia dos motociclistas irresponsáveis, que
dirá repreendê-los.
Mas concedamos o benefício da dúvida e admitamos que o
prefeito esteja realmente preocupado com a segurança no trânsito e o bem-estar
dos munícipes. De fato, andar de moto é sabidamente mais perigoso do que de
carro. Em uma metrópole como a capital paulista, esse perigo é drasticamente
aumentado. Se é este o caso, então, ao invés de reprimir as empresas 99 e Uber,
Nunes deveria entender por que tantos paulistanos procuram o serviço de
mototáxi, que, como é notório, sempre foi oferecido de forma clandestina na
cidade, particularmente nas periferias. Parece evidente para qualquer pessoa de
bom senso que isso ocorre em razão da falta de cobertura de transporte por
outros modais em áreas muito distantes do centro.
Em geral, as pessoas utilizam mototáxi para percorrer
pequenas distâncias, como, por exemplo, o trajeto entre o último ponto de
ônibus ou estação de trem ou metrô e suas casas. Esse serviço, como foi dito,
já é oferecido rotineiramente a milhares de paulistanos todos os dias, à margem
da lei. Afinal, os cidadãos precisam se locomover. Se a Prefeitura e o governo
do Estado não atendem a essa demanda com qualidade e eficiência por meio de
seus ônibus, trens e metrô, alguém haveria de fazê-lo. Das duas, uma: ou o
poder público melhora a oferta do serviço de transporte sob sua gestão, fazendo
chegá-lo a todos os que precisam – e, assim, reduzindo sensivelmente a demanda
por mototáxis –, ou essa modalidade de locomoção continuará tendo procura,
devendo apenas ser regulamentada e fiscalizada em nome da segurança de todos.
A segurança no trânsito, sem dúvida, tem de ser levada a
sério pela Prefeitura. No entanto, ao demonizar as empresas que oferecem
mototáxis, Nunes olha exclusivamente para uma parte do problema, sem considerar
as causas estruturais que geram a demanda por esse tipo de transporte. Não é
esperado que o prefeito da maior cidade do Brasil cometa um erro tão crasso de
diagnóstico. A responsabilidade do poder público é garantir que todos os
cidadãos tenham acesso a um transporte digno e seguro, e não apenas combater as
alternativas que surgem de forma espontânea na iniciativa privada para suprir
lacunas de um sistema que, como está claro, não atende às necessidades da
população.
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