Coalizão de ‘big techs’ que se formou em torno de Trump e
tende a favorecer a extrema direita mundial, além de superpoderosa, nega as
mudanças climáticas
Oanúncio da Meta indicando que vai alterar seu sistema de
trabalho trouxe um grande debate ao Brasil. A empresa decidiu acabar com a
estrutura de mediação dos posts e aceitar alguns comportamentos retrógradas,
como associar orientação sexual a doença.
Nem todas as decisões da Meta coincidem com a legislação
brasileira, bastante clara sobre racismo e homofobia. Certamente não coincide
com a legislação escocesa, que recentemente lançou um ato sobretudo para
proteger as pessoas trans.
É mais ou menos consenso que as empresas têm o direito de
definir suas normas, mas precisam respeitar as legislações nacionais. É uma
questão de soberania.
No entanto, por mais acalorado que seja,
esse debate não atinge ainda a dimensão das mudanças que estamos
experimentando. Formou-se uma coalizão de bilionários em torno do governo
Donald Trump, alguns deles como Elon Musk e Mark Zuckerberg, donos das big
techs que controlam a infra do debate mundial nas redes.
Esse é um desafio histórico, sem precedentes e muito
imediato para que possamos ter alternativas acabadas para ele.
Uma linha de raciocínio e também de estudo é compreender que
a ideia de soberania nacional não pode se limitar a um debate sobre como
aplicar a lei na redes, mas precisa avançar desse plano simbólico para o plano
econômico.
As redes sociais têm hoje uma importância enorme no comércio
assim como são a chance de renda para milhares de trabalhadores autônomos. Sem
elas, viveríamos um baque sem precedentes.
Lula da Silva fez uma reunião para ver como tratariam as
normas da Meta, que na verdade tornaram-se idênticas às do X. Ao invés de
estruturas de moderação, existem notas da comunidade. Portanto a Meta vai
argumentar que atua no mesmo nível de legalidade do X. O argumento de que
atinge um número maior de usuários não tem fundamento, na medida em que a lei
não diferencia o tratamento das redes pelo número de usuários.
Uma das reuniões necessárias poderia, por exemplo, avaliar
possibilidade de reduzirmos a dependência das big techs. Esse tipo de reunião
tem de contar com gente que conheça bem e consiga mapear o longo e áspero
caminho pela frente.
Não sou especialista nesses temas. Mas tenho uma intuição na
qual pretendo trabalhar. Essa coalizão que se formou em torno de Trump e tende
a favorecer a extrema direita mundial, além de superpoderosa, nega as mudanças
climáticas.
Alguns dos caminhos de adaptação às mudanças climáticas
coincidem com a possibilidade de reduzirmos o poder das big techs sobre as
estruturas nacionais.
Um deles é a transição energética no sentido da produção de
energia barata, abundante e renovável. Esse tópico é essencial nos dois
aspectos: redução das emissões e possibilidade de fornecer a matéria-prima para
um mundo em que a inteligência artificial (IA) tem papel dominante.
A quantidade de energia que os centros de dados demandam é
brutal e já tem um peso no consumo norte-americano. Alguns especialistas
costumam dizer que a IA, para ter as mesmas possibilidades da mente humana,
precisa da energia de toda uma hidroelétrica. Pode ser uma força de expressão,
mas serve para ilustrar o problema.
Em termos de defesa diante das big techs, a descentralização
que é demandada num mundo mais sustentável precisa se dar também na
infraestrutura de comunicação. Quantos satélites temos, quantos precisamos,
quem nos ajudará a lançá-los no espaço? Como estão as redes de fibra ótica,
como construir novas e descentralizadas?
Da mesma forma, talvez seja preciso desenvolver tecnologias
de comunicação offline, como servidores locais e intranet.
Assim como nas mudanças climáticas, é necessário incentivar
a produção local para reduzir a dependência de cadeias globais.
Na pandemia, vimos nossas lacunas em material médico,
abundante na Índia e China. Na guerra da Ucrânia, sentimos a falta de
fertilizantes.
Além disso, precisaríamos avançar na formação de mão de obra
qualificada em setores críticos: cibersegurança, engenharia de redes e gestão
de crise.
Ideal também seria criar sistemas redundantes para várias
rotas de cabos submarinos para comunicação global.
Enfim, será preciso investimento numa economia diversificada
em inovação e tecnologia, e ainda assim estaríamos dependentes das redes pela
sua importância decisiva para nossa sobrevivência.
As ideias que estou apresentando são apenas as que nascem da
própria luta contra o aquecimento global, e também de sugestões da própria IA
confrontada com a pergunta: o que um país pode fazer para se tornar menos
dependente das redes?
Hoje estamos diante de uma realidade sem precedentes. O
mundo caminha para ultrapassar os limites planejados para o aquecimento global
e, ao mesmo tempo, está diante de uma forte coalizão de big techs em torno de
um governo que nega o fenômeno, duvida das vacinas e não reconhece a
necessidade de proteção de setores vulneráveis.
As tarefas para enfrentar esse novo momento são gigantescas.
Diante delas as pequenas divergências são insignificantes, assim como a
necessidade do diálogo é urgente, mesmo que a gente reconheça que nossas
propostas são ainda embrionárias e só o tempo e a troca coletiva poderão
amadurecê-las. •
Artigo publicado no jornal Estadão em 17 / 01 / 2025
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