O Congresso não pode levar à frente essa sistemática
disparatada de aprovação e destinação de dinheiro público sem o devido
escrutínio social
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino
está promovendo uma moralização necessária na questão das emendas
parlamentares. A gestão, a governança e a destinação desses expressivos
recursos públicos precisam ser fortemente iluminadas.
Consultado, o povo brasileiro avalizaria a lambança que se
tem promovido por meio dessas emendas? A Constituição não avaliza, como mostram
os textos das decisões de Dino nesse assunto.
O Orçamento de 2024 prevê R$ 47,9 bilhões em emendas
parlamentares. Esse impressionante volume de recursos inclui as emendas
individuais, as de bancada estadual, as de comissões e (ainda) as de
relator-geral.
O pagamento de tais previsões orçamentárias, isto é, aquilo
que já saiu do caixa da União (até o dia 29 de dezembro), incluindo os restos a
pagar, corresponde a R$ 39,5 bilhões. Em 2020, eram R$ 21,5 bilhões; em 2019,
R$ 10 bilhões, e em 2016, R$ 3,7 bilhões.
Dos pagamentos realizados em 2024, R$ 8,3
bilhões referem-se a emendas de comissões. Essa modalidade nunca foi relevante.
Só ganhou importância quando o STF proibiu o chamado orçamento secreto,
noticiado pelo Estadão, à época, em primeira mão.
Estão promovendo a destinação nebulosa de recursos por meio
de emendas de comissões das duas Casas legislativas, mas que nada têm a ver com
tais colegiados ou com suas funções, a não ser o nome.
A quitanda da esquina corre o risco de ter, neste momento,
maior seriedade e transparência na sua contabilidade do que um Poder da
República. Não é impressionante, caro leitor?
Daí por que o ministro Dino bloqueou as emendas em meados do
ano passado. Primeiro, apenas as chamadas emendas Pix. Depois, todas as emendas
impositivas foram barradas.
O Congresso não pode levar à frente essa sistemática
disparatada de aprovação e destinação de dinheiro público para localidades e
entidades sem o devido escrutínio social. Os órgãos de controle têm de atuar
seriamente nesses aspectos. O custo de oportunidade desse espetáculo de horror
é altíssimo. Tanta pobreza e miséria no País e Brasília parece ignorar, dentro
de sua bolha mágica de ilusão e miséria ética e moral, em muitos casos.
Se retirarmos os efeitos da inflação, ao longo do tempo,
para descontar o avanço dos preços no período, o valor pago de 2024 corresponde
a quase 7,5 vezes o total de 2016. É um assombro o que o Congresso promoveu em
termos de apropriação do Orçamento público.
Argumenta-se que esses recursos seriam destinados a obras e
políticas públicas essenciais. Parte deles, sim, tem essa função. O problema
começa na falta de transparência, sobretudo no que se refere às emendas Pix,
derivadas da modalidade “transferência especial” criada por meio de emenda
constitucional. O dinheiro simplesmente voa de Brasília para o destinatário sem
qualquer controle.
A segunda questão é o montante. Em tempos de desajuste nas
contas públicas, inclusive alimentado pelas ações intempestivas do Congresso,
que aprova barbaridades a toque de caixa, ao arrepio da Lei de Responsabilidade
Fiscal, não há explicação técnica, política ou outra que fundamente torrar
tanto dinheiro público dessa maneira. O Estado brasileiro já não investe mais e
caminha para a falência nesse aspecto.
Daqui a pouco, vão sobrar apenas 594 orçamentos individuais,
dos parlamentares, e as despesas com folha, benefícios e aposentadorias. Que
bela construção republicana estamos promovendo para o futuro do País, não?
É chegada a hora de uma reforma orçamentária. O ministro
Flávio Dino está correto em enfrentar a questão das emendas, particularmente
após o Congresso ter desrespeitado a sua correta decisão. No apagar das luzes,
como mostrou o jornalista Breno Pires, na revista piauí, o dinheiro se esquivou
das regras. Ou tentou.
Um processo orçamentário nessas bases é uma vergonha para o
Estado democrático. O vexame e o escândalo que tudo isso representa deveriam
levar a que as lideranças do Congresso e do Poder Executivo elaborassem um novo
modelo de gestão.
Perdemos a capacidade de planejamento e transformamos o
processo de alocação de recursos públicos escassos em uma feira livre. De que
adianta publicar rios de tinta a título de Planos Plurianuais e Leis
Orçamentárias e de Diretrizes, se tudo que é relevante é decidido por meia
dúzia de figuras sob a liderança de um único parlamentar?
É gravíssimo o que estamos presenciando e o ministro Flávio
Dino merece nosso aplauso. Demandada, a Corte Suprema não poderia, de fato,
ter-se eximido. A Constituição Cidadã deve ser respeitada e, quando necessário,
reformada.
Aproveito esta primeira coluna de 2025 para desejar um
excelente ano a todos os leitores e leitoras que me acompanham neste espaço,
quinzenalmente. É uma grande honra poder comunicar-me com vocês por meio do
jornal O Estado de S. Paulo.
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