O país inicia 2025 com a reafirmação da prevalência do
Judiciário sobre os outros dois poderes da República. O Executivo cada vez mais
depende de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). E o Legislativo cada vez
mais é tolhido por elas. O protagonista do momento é o ministro Flávio Dino,
que bloqueou o pagamento das emendas parlamentares de comissão que tenham o DNA
do Orçamento Secreto, tanto da Câmara quanto do Senado, inclusive daquelas já
empenhadas pelo Executivo.
A Advocacia Geral da União (AGU) e o ministro debateram em
público esta segunda sobre a questão, em uma sucessão de petições e despachos,
em um confronto com aspectos de jogo jogado. Se o rigor da decisão de Dino pode
criar constrangimentos para o governo cumprir a despesa constitucional para a
Saúde, como alega o AGU, no atacado as decisões do Supremo têm favorecido o
governo desde o momento da eleição de Lula.
Sinais nesse sentido são dados em uma linha
do tempo. Em 15 de dezembro de 2021, mesma data em que um grupo de golpistas
planejava uma ação violenta contra o então presidente do Tribunal Superior
Eleitoral, Alexandre Moraes, o STF deu início ao julgamento que declarou
inconstitucionais as emendas parlamentares de relator (RP-9), mecanismo pelo
qual as cúpulas da Câmara e do Senado tiraram a autoria pública das iniciativas
orçamentárias de deputados e senadores. Era o fim do chamado orçamento secreto,
fonte primordial da debilidade do Executivo perante o Legislativo.
Com a faca no peito, o Congresso pactuou com o então
presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva a aprovação da PEC de Transição,
que liberou R$ 145 bilhões do limite do teto de gastos para que o governo
federal não iniciasse sua gestão engessada.
O troco veio na reeleição sem sustos de Arthur Lira para a
presidência da Câmara e de Rodrigo Pacheco ao comando do Senado, e a dupla
manteve o governo federal sobre pressão permanente, com maiorias
circunstanciais para propostas pontuais.
A cúpula do Congresso sustentou a opacidade do Orçamento
reforçando outro tipo de emenda parlamentar, as de comissão (RP-8). O empenho
das RP-8 passou de R$ 308,1 milhões em 2022 para R$ 6,87 bilhões em 2023 e R$
11,1 bilhões esse ano. Aí Dino entrou na história.
O ex-ministro da Justiça de Lula suspendeu em agosto o
pagamento de emendas parlamentares, até mesmo das impositivas. Começou então um
tortuoso processo de negociação não encerrado até o momento.
O Legislativo ensaiou um movimento autônomo, que poderia
emparedar o Executivo e o Judiciário: avançar com a pauta de anistia aos
envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro. O projeto, caso aprovado,
livraria o ex-presidente Jair Bolsonaro não só das duas condenações na Justiça
Eleitoral que o tornam inelegível até 2030 como também brecaria o inquérito que
investiga no STF sua participação na tentativa de um golpe militar no fim de
2022.
Foi a hora de o inquérito mudar de fase. Bolsonaro foi
indiciado como golpista em um duríssimo relatório da Polícia Federal, que o
coloca como possível conhecedor até mesmo de um plano para matar autoridades. A
conversa sobre anistia morreu no mesmo instante. A perspectiva para 2025 passou
a ser a de um julgamento público de Bolsonaro, com efeitos na opinião pública
potencialmente semelhantes aos que feriram o PT em 2013 com a ação penal do
mensalão. Julgamento a ser feito pelo STF, o mesmo que corta as asas do
Congresso em relação ao Orçamento.
A combinação dos dois movimentos, no melhor cenário possível
para o Planalto, fortalece Lula no processo eleitoral de 2026, aumentando sua
capacidade de barganha com o Congresso. No pior cenário, torna Lula um
presidente sob cerco. Em qualquer dos dois, diminui a chance de o Judiciário
ser constrangido pelos dois outros poderes a uma autocontenção.
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