Trump se propõe a ser o novo dono do mundo, colocando os
Estados Unidos à frente dos demais países
Se a visão do presidente Donald Trump realmente se
concretizar, o mundo de pacificação prometido em seu discurso de posse estará
longe de existir, tomado por ódio aos estrangeiros, submetendo as minorias à
ditadura da maioria e dominado pela prepotência do mais forte. A falta de
compostura com que tratou o ex-presidente Joe Biden no discurso de posse e a
sem-cerimônia com que confirmou querer retomar o Canal do Panamá mostram bem a
tônica dissolvente de seu caráter. Foi quase uma declaração oficial de guerra,
no momento da posse.
Num planeta cada vez mais necessariamente interdependente,
Trump se propõe a ser o novo dono do mundo, colocando interesses dos Estados
Unidos à frente daqueles dos demais países, como se desse gesto egoísta pudesse
nascer uma liderança respeitada, em vez de uma tirania temida por sua
imprevisibilidade.
Claro que visão tão voltada para si mesmo,
e para o país que preside, pode dar a sensação temporária de que eles são
invencíveis. Mas os Estados Unidos admirados globalmente pelas virtudes de sua
democracia voltarão a ser o país detestado pelos que são oprimidos por sua
força, rejeitado pela falta de empatia com as minorias, como já foi um dia pelo
racismo oficial que até hoje cobra seu custo social e moral?
O patriotismo vazio, que leva ao isolamento em um mundo cada
vez mais necessitado de estadistas magnânimos, não pode ser o último refúgio
dos canalhas, nem alimentar uma visão distorcida do capitalismo, dando-lhe tons
de selvageria. Recentemente, um artigo de Ezra Klein no New York Times me
chamou a atenção para o fato de que a vitória de Trump não foi, como continua a
ser apontado, tão esmagadora quanto parece, embora seja notável que ele tenha
vencido no voto popular e no distrito e que seu partido tenha a maioria na
Câmara e no Senado.
No entanto a margem de vitória no voto popular foi a menor
em 25 anos, seja de democrata ou republicano. A vitória na Câmara, com maioria
de cinco cadeiras, é a menor desde a Grande Depressão; no Senado, os
republicanos perderam metade das eleições importantes; e, entre as 11 disputas
para governador, em nenhuma houve mudança de controle partidário. Portanto,
longe de ser uma vitória que possa dar ao presidente poderes inexcedíveis, a
eleição que levou Trump de volta à Presidência pode sofrer oposição à medida
que a minoria se mobilize.
É evidente que Trump assume mais forte este segundo mandato
não consecutivo, com mais noção de seu poder. O cessar-fogo em Gaza saiu
claramente de uma intervenção dele. Essa força concentrada, mais a vontade
revelada publicamente em seu discurso de voltar a ser a liderança inescapável
do mundo falam a favor dele nestes primeiros meses.
Em relação ao Brasil, como não somos parte dos grandes
problemas internacionais, não estamos também na prioridade da política externa.
Não creio que a proximidade com Trump leve a uma atitude direta dele a favor do
ex-presidente Jair Bolsonaro, mas forças próximas, como o conselheiro Steve
Bannon, podem organizar movimentos a favor de uma eventual anistia, sem, no
entanto, efeito imediato.
Internamente, e em países em que a direita tem força, como
Brasil, Itália e Argentina, o combate à política woke fará com que as minorias
sofram represálias, não apenas as de gênero citadas textualmente por Trump em
seu discurso, o que fortalecerá o reacionarismo nos costumes.
Essa pode ser uma revolução cultural com a ajuda das
plataformas digitais. Elas não lhe farão barreiras com base na “liberdade de
expressão”, que, nessa linha, não servirá para as minorias. A exaltação do uso
do petróleo e o desdenhar das políticas em favor do meio ambiente farão com que
a disputa econômica substitua a preocupação com as mudanças climáticas pelos
ganhos imediatos, à custa do futuro. Pode ser que Musk tenha convencido Trump
de que o futuro está em Marte.
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