Governo não sabe falar com quem sai da carência e se sente
classe média
Eles sonham crescer e veem o trabalho árduo como caminho
para tal
O Palácio do Planalto entendeu muito mal o que ocorreu na
semana passada no embate do Pix. E, em virtude do diagnóstico errado, corre
sério risco de ser pego de surpresa nas próximas eleições, como ocorreu com o
Partido Democrata nos Estados Unidos.
Nessa ilusão, o grupo no governo não está sozinho. Afinal, convenceu de seu
diagnóstico um bom naco da imprensa especializada em política. Bons jornalistas
compraram a versão. Mas ainda há tempo de rever tudo.
A tese do governo é que as redes sociais são grandes
máquinas de desinformação. De que a população foi enganada a respeito das
mudanças implementadas pela Receita
Federal. De que é enganada o tempo todo. Alguns no governo se convenceram,
até, de que o vídeo do deputado bolsonarista Nikolas
Ferreira (PL-MG) só cruzou 300 milhões de visualizações no Instagram
porque a Meta,
companhia de Mark
Zuckerberg, manipulou o algoritmo para lhe dar um empurrão. Não há qualquer
evidência disso. Nada além da vontade de não acreditar que milhões tenham se
interessado pela mensagem.
A hipótese com que ninguém no Planalto
parece trabalhar é que Nikolas tenha construído um argumento convincente. A
hipótese com que muitos democratas não trabalham é que o povo seja conservador.
E que, no caso brasileiro, concorde com o deputado.
Pois vamos lá. É razoável acreditar que muitos brasileiros
que, trabalhando na informalidade, ganham R$ 6 mil, R$ 7 mil, são também
sonegadores de Imposto de Renda? Sim, é razoável. É razoável acreditar que
esses brasileiros temam que o governo apareça à porta cobrando o imposto
devido? Claro que é. Por fim, é razoável que esses brasileiros, compreendendo
que o governo opera suas contas no vermelho, creiam que o Planalto esteja
desesperado para arrecadar? Sem dúvida nenhuma. Esses mesmos brasileiros, afinal,
não esqueceram que lhes foi prometido comprar da Shein sem imposto e, aí, o
Planalto mudou de ideia e sobretaxou. Foi uma promessa quebrada — e uma
promessa que teve alto impacto nesse grupo.
Esse é o argumento que Nikolas constrói. O governo não
compreendeu. Estava distraído explicando que o problema foi desinformação. Não
percebeu que foi atropelado por um argumento. Democracias se constroem por
argumentos e contra-argumentos. O governo passou uma semana dizendo que a
população foi manipulada. Dizer que os eleitores conservadores são crédulos e
caem em qualquer mentira que lhes contem no zap é péssima tática.
Com quem Nikolas falava é igualmente importante, pois é um
público bastante específico. Principalmente homens das periferias urbanas,
classe média baixa, em geral com ensino médio. Gente que tem de encontrar uma
saída para crescer na vida e, por emprego CLT, não vê esse caminho. Trabalha
muitas horas e tem orgulho disso. Faz parte dos seus valores.
Para responder ao deputado, foi escolhida Érika Hilton (PSOL-SP),
uma das deputadas mais à esquerda na Câmara. Érika falou, em seu
vídeo-resposta, sobre as agruras das muitas horas trabalhadas por quem está na
CLT com salário baixo. A deputada trans é, certamente, um dos grandes nomes da
nova esquerda brasileira. É boa de vídeo e boa de oratória. Mas seu
vídeo-resposta, gravado com vestido de festa, serviu para quem é de esquerda se
sentir bem. Obviamente era a pessoa errada, com o discurso errado para chegar
ao público atingido por Nikolas.
A esquerda brasileira sabe falar com quem é pobre. É com
quem Érika falou. Com quem vive na carência, gente para quem às vezes falta
comida e o teto não está garantido. Quando cruza a linha da carência absoluta,
uma pessoa se transforma. A batalha da vida continua, mas suas preocupações são
outras. Seus valores mudam. Muitos, na esquerda, dizem que isso é bobagem. Que
são, todos, pobres em níveis diferentes. Mas não se sentem pobres. Sentem-se de
classe média. Sonham crescer e veem o trabalho árduo como caminho para tal. Não
se sentem explorados e acham ofensivo quando alguém sugere que são iludidos.
O discurso que o bolsonarismo faz tem um grande mérito:
compreende esses brasileiros, valoriza como eles se veem. Oferece soluções,
ainda que apenas no discurso, aos problemas que os eleitores sentem ter. A
esquerda os trata como pobres, uma gente enganada com facilidade, que não tem
capacidade de compreender o que é melhor para si mesma. Isso quando não parte
para um discurso de desprezo.
Ainda é tempo para perceber: o problema não é a desinformação. O problema é a mensagem.
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