Ele está oferecendo a Trump suas plataformas para
distrair o público americano
Faz uma semana que o principal acionista da Meta, Mark
Zuckerberg, anunciou ao mundo um cavalo de pau na direção da companhia. Cai
o uso de empresas de checagem de fatos, entra um sistema em que a comunidade
avalia o que é confiável ou não. A moderação diminuirá, e o espaço para debates
sobre política aumentará. Nesse barata-voa geral, quem leu a cobertura da
imprensa brasileira possivelmente não compreendeu alguns pontos essenciais. O
primeiro, e mais importante, é que estas mudanças valem em sua maioria para os
Estados Unidos. Os contratos de checagem, aqui no Brasil, na América Latina, na
Europa e no além-mar geral seguem de pé. Este não é um detalhe. Na verdade,
para entender o que se passa na cabeça de Zuckerberg, essa é uma das peças
essenciais.
As plataformas digitais estão perdendo a
briga da regulação. Pode parecer o contrário, mas não é verdade. Sim, estas são
companhias grandes, ricas como jamais companhias o foram na História do
capitalismo. São poderosas. Mas, aos poucos, o que os Estados nacionais estão
descobrindo é que, quando querem regular, regulam. Isso ficou claro quando a
Europa impôs suas novas regras. A Apple está tendo de se virar para permitir
que usuários possam comprar apps em seus iPhones fora da loja da empresa. Na
Austrália, decidiu-se que menores de 16 anos não podem ter contas nas redes
sociais. Decidiu-se, também, que o ônus dessa garantia é das plataformas. E
elas não têm o que fazer. Precisarão cobrar documentação para abrir as contas
ou desenvolver alguma tecnologia que permita fazer o filtro. Ponto final. Elon
Musk bateu de frente com o Supremo Tribunal Federal no Brasil, forçou o quanto
pôde — e aí cedeu em tudo que o STF queria. A alternativa era não funcionar no
país, um luxo ao qual o X não pode se dar.
Este é, em essência, o problema de Zuckerberg. Não só dele,
mas de todas as plataformas digitais. O lento consenso da necessidade de
regulação está sendo alcançado. Não está claro ainda qual o melhor tipo de
regulação, e o debate está aberto sobre que regulação é eficaz para combater
que tipo de problema. Os debates são muitos. O que não é mais discutido é se
governos conseguem regular. Sim, conseguem. Basta querer que o fazem. E isso
está claro por uma única razão: todos os governos estão ganhando as brigas que
compram. Essa é a razão de Zuck ter anunciado mudanças imensas, mas, no caso
das de maior impacto, limitadas aos EUA. Ele não tem como bater de frente com a
União Europeia. Ou mesmo com o Brasil. Perderia.
Este, portanto, é o jogo de Mark Zuckerberg: ele está
propondo uma barganha para Donald Trump.
Ora, veja: o debate público americano foi dominado, na
última semana, pela ideia de conquista do Canal do Panamá, da Groenlândia e do
Canadá. Nenhuma das propostas é séria. Ou sequer plausível. Os EUA, com todo o
seu poder militar, não foram capazes de controlar o Afeganistão ou o Iraque.
Não foram capazes de conquistar o Vietnã, onde o exército adversário era uma
guerrilha. Imagine o Canadá ou um país da União Europeia. Mesmo que uma guerra
de conquista do pequeno Panamá fosse possível, o governo Trump precisaria de
aprovação do Congresso, onde quase metade de deputados e senadores são da
oposição. Se um pequeno número de republicanos votar contra em só uma das Casas
legislativas, o que é esperado, as Forças Armadas não poderiam agir.
Isso mesmo. Não poderiam agir sequer sob ordens do
presidente. Donald Trump sabe disso. Só que parte essencial de seu método é a
criação permanente de ruído. O ruído serve a este novo governo americano. Ele
suga a atenção do debate público enquanto decisões que levarão ao desmonte do
Estado serão tomadas. Decisões, aliás, muito mais complexas e também
burocráticas. Portanto chatas de acompanhar. Trump precisa de ruído constante.
É para isso que serve a desinformação. Ela é parte eficaz da
estratégia de Trump não tanto porque engane as pessoas, mas mais porque as
distrai. Ele gera tantos debates absurdos simultaneamente, a maioria sem
qualquer consequência, que aquilo que de fato é importante se perde. A arte de
Trump é a do ilusionista que constantemente desvia o foco de seu público dos
movimentos relevantes.
Pois Zuckerberg está oferecendo ao novo presidente suas
plataformas para distrair à vontade o público americano. Em troca, pede que o
peso do Estado americano seja usado para enfrentar Europa, Canadá, Austrália,
e, sim, o Brasil. O governo dos EUA tem melhores condições de pressionar para
evitar a regulação desses negócios americanos.
É a esperança de Zuck.
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