terça-feira, 14 de janeiro de 2025

GUERRA À VISTA

Merval Pereira, O Globo

A partir do momento em que o Brasil tiver uma regulamentação, como a União Europeia já tem, a Meta terá de lhe obedecer

A discussão do artigo 19 do Marco Civil da Internet no Supremo Tribunal Federal (STF) aborda a responsabilidade das redes sociais sobre as notícias que divulgam e, entre os especialistas, a conhecida como “notice and take down” parece ser a melhor forma de lidar com a questão. Nela, a rede passa a ser responsável perante a Justiça no momento em que recebe uma notificação sobre um post e decide se o tira do ar ou se o mantém por considerar que a notificação não se justifica. Isso nada tem de censura, e sim de responsabilização.

Qualquer empresa tem de obedecer à legislação existente no país onde opera. Como o Brasil tem uma legislação superada com a evolução das plataformas digitais, o Supremo Tribunal Federal (STF) acaba definindo as ações nesse sentido. O ideal seria que o Congresso legislasse sobre isso, mas, como a maioria lá é contra a regulamentação, acha que é preciso uma liberdade total, quem vai ter de decidir é o STF. A partir do momento em que o Brasil tiver uma regulamentação, como a União Europeia já tem, a Meta terá de lhe obedecer; e se a nossa lei obrigar uma moderação, a Meta terá de fazê-la, e essa discussão acaba.

O protagonismo do ministro Alexandre de Moraes, do STF, no debate sobre as big techs no Brasil é registrado, aliás, num artigo no Financial Times de David Allen Green, um advogado especializado em regulação e mídia, intitulado “A próxima batalha entre a mídia social e o Estado”, onde introduz uma intrigante visão política a respeito da recente decisão de Zuckerberg de suspender a checagem de fatos divulgados nas suas redes.

Ele cita o recente enfrentamento entre Elon Musk e sua rede X com o Supremo Tribunal Federal no Brasil como o ponto de definição de que nenhuma big tech pode enfrentar e ganhar de governos estrangeiros e seus sistemas legais. Já não é suficiente, diz ele, ter influentes lobistas, a tentativa da Meta de diálogo com a União Europeia tem falhado terrivelmente, porque os interesses são díspares.

A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos deu à Meta uma grande oportunidade para mudar sua política de tentativa de aproximação para a de confrontação e coerção. David Allen Green destaca que Zuckerberg assumiu candidamente essa posição ao anunciar suas novas medidas no Facebook, afirmando que gostaria de trabalhar com o presidente Trump “para pressionar governos pelo mundo. Eles estão atacando empresas americanas e forçando mais censura. Os Estados Unidos têm o mais forte esquema de proteção da liberdade de expressão no mundo. A única maneira de podermos avançar nesse tema é com o apoio do governo dos Estados Unidos”.

Os líderes das muitas companhias de tecnologia têm interesse em promover o novo governo dos Estados Unidos, para enfraquecer a União Europeia por dentro em países como a Hungria, simpática a Trump. O modelo de negócio das plataformas digitais depende de engajamento, e eles não estão preocupados se esse engajamento é amplificado por desinformação ou mal-entendidos. “Moderação e checagem de fatos são dispendiosas, e, se as plataformas forem obrigadas pelo mundo a usá-las, terão um modelo de negócios menos rentável”, comenta.

David Allen Green ressalta que essa procura pelo abrigo do governo Trump “tão abertamente, assumidamente e sem vergonha” significa que as plataformas reconhecem sua fraqueza diante da batalha pela regulamentação com governos nacionais”. Para ele, fenômenos da regulamentação são realidade pelo mundo, e, se o governo americano concordar em intimidar outros governos em benefício das plataformas, essa é uma batalha da guerra que elas podem vencer. A questão, diz ele, é se a União Europeia, Brasil e outros países terão a firmeza e o estômago para enfrentar o que parece será uma guerra entre os que querem regulamentar as mídias sociais, que, por sua vez, têm capacidade de influenciar a formação e contaminação do discurso público. O que está em jogo, na visão de David Allen Green, é uma disputa política e cultural de visões de mundo.

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