Reflexão sobre esses livros, feita por britânico
Seymour-Smith no fim do século passado, parece atual por causa de sua
capacidade de influenciar a economia e proporcionar bem-estar às pessoas
Quais livros de economia mais influenciaram a humanidade? Se
a pergunta for feita a economistas, certamente teremos uma extensa lista, com
obras à esquerda ou à direita, ortodoxas ou heterodoxas, marxistas ou
capitalistas, conservadoras ou progressistas.
Martin Seymour-Smith, intelectual britânico que morreu em
1998, aos 70 anos, deixou um livro audacioso em que, indiretamente, responde a
essa pergunta.
A obra de Seymour-Smith - “Os 100 Livros que mais
Influenciaram a Humanidade”, publicada originalmente em 1998 e no Brasil em
2002 - é reconhecida pela coragem intelectual do autor para escolher e analisar
os livros que mais alteraram o curso da civilização. Com rara habilidade e
vasto conhecimento, Seymour-Smith discorre sobre cada um dos cem que considera
mais importantes, desde a Bíblia, o Corão, A Ilíada e a Odisseia, a Teoria da
Relatividade, “O Príncipe” etc.
Em vez de perguntar a um site de
inteligência artificial, o colunista foi ver quais livros de economia o
intelectual colocou em sua lista, imaginando que, eventualmente, podem ser uma
leitura qualificada para este período de férias. Ele incluiu quatro: “Uma
Pesquisa sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”, de Adam Smith
(1776); O Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friederich Engels (1848); Teoria
Geral do Emprego, Lucro e Dinheiro, de John Maynard Keynes (1936); e “O Caminho
para a Servidão”, de Friedrich von Hayek (1944).
A Riqueza das Nações
Escocês, Adam Smith (1723-1790) é conhecido como pai da economia moderna e do
liberalismo econômico, defensor da “mão invisível” do mercado como condutora da
economia.
Seymour-Smith, obviamente, não contesta essas definições.
Chama Adam de apóstolo da liberdade, mas lembra que o economista Joseph
Schumpeter (1883-1950) escreveu que a obra-prima de Adam “não contém uma única
ideia, princípio ou método que já não fosse inteiramente conhecido em 1776”.
Também observa que Adam influenciou o mundo com seu raciocínio de que o
comportamento egoísta traz benéficas consequências.
Adam jamais conduziu nenhuma política econômica, mas
influenciou essa condução durante pelo menos um século após sua morte.
Mostrou-se, porém, demasiadamente otimista em relação ao livre mercado, que
jamais foi livre do jeito generoso que pretendia, escreve Seymour-Smith.
O Manifesto Comunista
Karl Marx, segundo Seymour-Smith, foi tão influenciado por Adam quanto qualquer
pensador de direita, mas considerou que a batalha da humanidade seria a da
produção industrial. Quando essa batalha fosse vencida, a sociedade estaria
livre das distinções de classe, segundo Marx. O trabalho de um homem produzia
um valor superior a suas necessidades e esse excesso (a mais-valia) se
transformava em capital para os burgueses proprietários da produção.
Por que Seymour-Smith escolheu “O Manifesto”, e não “O
Capital”? Ele mesmo responde: porque ao morrer, em 1883, Marx tinha publicado
só o primeiro volume de “O Capital”. Engels editou os outros dois e os
publicou. Marx e Engels, na verdade, não facilitam a vida dos leitores, já que
não alcançam a simplicidade, escreve Seymour-Smith. E cita uma velha piada: “O
Capital é impossível de ser lido na sua totalidade.”
A profecia de Marx foi a de que a acumulação de valor
excedente (mais-valia) acabaria por derrubar o capitalismo. Mas isso não
aconteceu, observa Seymour-Smith, o que não impede que a obra tenha alterado o
curso da civilização.
Teoria Geral
Nada modesto, quando escrevia sua “Teoria Geral”, em 1936, Keynes disse ao
escritor e dramaturgo Bernard Shaw (1856-1950) que sua obra iria revolucionar o
modo de o mundo pensar os problemas econômicos. Ele estava certo, afirma
Seymour-Smith. Keynes propôs ser dever do governo intervir na economia e manter
a população empregada, o que, para os defensores das teorias clássicas, levaria
a inflações catastróficas. Defendeu o aumento de impostos e diminuição de
despesas públicas em tempos de prosperidade e o contrário em períodos de
recessão.
Seymour-Smith faz um breve relato sobre a vida privada de
Keynes. Conta que, embora tenha se casado com a então famosa bailarina russa
Lydia Lopokova e houvesse vivido feliz ao lado dela, foi homossexual durante
toda a vida, especialmente dedicado ao pintor escocês Dunkan Grant. Por vezes,
pareceu ridículo, como ao dizer que os terremotos eram benéficos por causarem
crescimento na reconstrução.
Nada impediu, porém, que o pensamento e as propostas de
Keynes fossem dominantes de 1940 a 1975, período de grande prosperidade mundial
no pós-Guerra.
O Caminho para a Servidão
Mas os ventos mudaram a partir de meados dos anos 1970. A crise do petróleo e
uma onda inflacionária permitiram a ascensão dos monetaristas nos EUA, na
Inglaterra e em vários países industrializados, coincidindo com uma guinada
política para a direita.
O “Caminho para a Servidão”, de Hayek, jogou luz sobre o
mercado, principalmente depois que o economista ganhou o Prêmio Nobel, em 1974.
Ele passou a ser guru da primeira-ministra Margareth Thatcher e do presidente
Ronald Reagan. O Nobel, escreve Seymour-Smith, reavivou a eminência do livro
que Thatcher dizia ser sua leitura de cabeceira.
Hayek, austríaco, que foi professor de Milton Friedman na
Escola de Chicago, tornou-se um inspirador dos longos anos de predomínio do
neoliberalismo no mundo, tendência que perdeu força depois da grande crise de
2008. A tese principal de sua obra, lembra Seymour-Smith, é que o estado não é
um “mal necessário” e sim um “mal desnecessário”.
E daí?
A reflexão sobre esses livros, feita por Seymour-Smith no fim do século
passado, parece atual por causa de sua capacidade de influenciar a economia e
proporcionar bem-estar às pessoas. No capitalismo desenhado por Adam Smith e
condenado à extinção por Marx, o neoliberalismo de Hayek perdeu força e o
keynesianismo revigorou-se depois de 2008 e da pandemia, mas persiste um duelo
entre as duas tendências. A participação maior ou menor do Estado na economia é
o pomo da discórdia, discussão muito acesa no Brasil, que às vezes descamba
para profecias quase terroristas sobre um futuro colapso.
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