terça-feira, 14 de janeiro de 2025

QUATRO LIVROS DE ECONOMIA QUE AINDA DITAM O CURSO DA HUMANIDADE

Pedro Cafardo, Valor Econômico

Reflexão sobre esses livros, feita por britânico Seymour-Smith no fim do século passado, parece atual por causa de sua capacidade de influenciar a economia e proporcionar bem-estar às pessoas

Quais livros de economia mais influenciaram a humanidade? Se a pergunta for feita a economistas, certamente teremos uma extensa lista, com obras à esquerda ou à direita, ortodoxas ou heterodoxas, marxistas ou capitalistas, conservadoras ou progressistas.

Martin Seymour-Smith, intelectual britânico que morreu em 1998, aos 70 anos, deixou um livro audacioso em que, indiretamente, responde a essa pergunta.

A obra de Seymour-Smith - “Os 100 Livros que mais Influenciaram a Humanidade”, publicada originalmente em 1998 e no Brasil em 2002 - é reconhecida pela coragem intelectual do autor para escolher e analisar os livros que mais alteraram o curso da civilização. Com rara habilidade e vasto conhecimento, Seymour-Smith discorre sobre cada um dos cem que considera mais importantes, desde a Bíblia, o Corão, A Ilíada e a Odisseia, a Teoria da Relatividade, “O Príncipe” etc.

Em vez de perguntar a um site de inteligência artificial, o colunista foi ver quais livros de economia o intelectual colocou em sua lista, imaginando que, eventualmente, podem ser uma leitura qualificada para este período de férias. Ele incluiu quatro: “Uma Pesquisa sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”, de Adam Smith (1776); O Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friederich Engels (1848); Teoria Geral do Emprego, Lucro e Dinheiro, de John Maynard Keynes (1936); e “O Caminho para a Servidão”, de Friedrich von Hayek (1944).

A Riqueza das Nações
Escocês, Adam Smith (1723-1790) é conhecido como pai da economia moderna e do liberalismo econômico, defensor da “mão invisível” do mercado como condutora da economia.

Seymour-Smith, obviamente, não contesta essas definições. Chama Adam de apóstolo da liberdade, mas lembra que o economista Joseph Schumpeter (1883-1950) escreveu que a obra-prima de Adam “não contém uma única ideia, princípio ou método que já não fosse inteiramente conhecido em 1776”. Também observa que Adam influenciou o mundo com seu raciocínio de que o comportamento egoísta traz benéficas consequências.

Adam jamais conduziu nenhuma política econômica, mas influenciou essa condução durante pelo menos um século após sua morte. Mostrou-se, porém, demasiadamente otimista em relação ao livre mercado, que jamais foi livre do jeito generoso que pretendia, escreve Seymour-Smith.

O Manifesto Comunista
Karl Marx, segundo Seymour-Smith, foi tão influenciado por Adam quanto qualquer pensador de direita, mas considerou que a batalha da humanidade seria a da produção industrial. Quando essa batalha fosse vencida, a sociedade estaria livre das distinções de classe, segundo Marx. O trabalho de um homem produzia um valor superior a suas necessidades e esse excesso (a mais-valia) se transformava em capital para os burgueses proprietários da produção.

Por que Seymour-Smith escolheu “O Manifesto”, e não “O Capital”? Ele mesmo responde: porque ao morrer, em 1883, Marx tinha publicado só o primeiro volume de “O Capital”. Engels editou os outros dois e os publicou. Marx e Engels, na verdade, não facilitam a vida dos leitores, já que não alcançam a simplicidade, escreve Seymour-Smith. E cita uma velha piada: “O Capital é impossível de ser lido na sua totalidade.”

A profecia de Marx foi a de que a acumulação de valor excedente (mais-valia) acabaria por derrubar o capitalismo. Mas isso não aconteceu, observa Seymour-Smith, o que não impede que a obra tenha alterado o curso da civilização.

Teoria Geral
Nada modesto, quando escrevia sua “Teoria Geral”, em 1936, Keynes disse ao escritor e dramaturgo Bernard Shaw (1856-1950) que sua obra iria revolucionar o modo de o mundo pensar os problemas econômicos. Ele estava certo, afirma Seymour-Smith. Keynes propôs ser dever do governo intervir na economia e manter a população empregada, o que, para os defensores das teorias clássicas, levaria a inflações catastróficas. Defendeu o aumento de impostos e diminuição de despesas públicas em tempos de prosperidade e o contrário em períodos de recessão.

Seymour-Smith faz um breve relato sobre a vida privada de Keynes. Conta que, embora tenha se casado com a então famosa bailarina russa Lydia Lopokova e houvesse vivido feliz ao lado dela, foi homossexual durante toda a vida, especialmente dedicado ao pintor escocês Dunkan Grant. Por vezes, pareceu ridículo, como ao dizer que os terremotos eram benéficos por causarem crescimento na reconstrução.

Nada impediu, porém, que o pensamento e as propostas de Keynes fossem dominantes de 1940 a 1975, período de grande prosperidade mundial no pós-Guerra.

O Caminho para a Servidão
Mas os ventos mudaram a partir de meados dos anos 1970. A crise do petróleo e uma onda inflacionária permitiram a ascensão dos monetaristas nos EUA, na Inglaterra e em vários países industrializados, coincidindo com uma guinada política para a direita.

O “Caminho para a Servidão”, de Hayek, jogou luz sobre o mercado, principalmente depois que o economista ganhou o Prêmio Nobel, em 1974. Ele passou a ser guru da primeira-ministra Margareth Thatcher e do presidente Ronald Reagan. O Nobel, escreve Seymour-Smith, reavivou a eminência do livro que Thatcher dizia ser sua leitura de cabeceira.

Hayek, austríaco, que foi professor de Milton Friedman na Escola de Chicago, tornou-se um inspirador dos longos anos de predomínio do neoliberalismo no mundo, tendência que perdeu força depois da grande crise de 2008. A tese principal de sua obra, lembra Seymour-Smith, é que o estado não é um “mal necessário” e sim um “mal desnecessário”.

E daí?
A reflexão sobre esses livros, feita por Seymour-Smith no fim do século passado, parece atual por causa de sua capacidade de influenciar a economia e proporcionar bem-estar às pessoas. No capitalismo desenhado por Adam Smith e condenado à extinção por Marx, o neoliberalismo de Hayek perdeu força e o keynesianismo revigorou-se depois de 2008 e da pandemia, mas persiste um duelo entre as duas tendências. A participação maior ou menor do Estado na economia é o pomo da discórdia, discussão muito acesa no Brasil, que às vezes descamba para profecias quase terroristas sobre um futuro colapso.

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