Expressão popular, difundida em prosa e verso, “esse trem já
passou” diz bem do que seja uma perda de oportunidade. Por ocasião do belo
discurso de posse da Ministra Simone Tebet no Planejamento, escrevi um artigo
esperançoso que trazia no título “Planejamento - o último trem para o Brasil”.
Eu então parodiava título de livro do ex-Ministro do Planejamento Reis Velloso,
numa de suas alegorias cinéfilas sobre a economia brasileira dos anos 70, “O
último trem para Paris”.
Passados dois anos de Lula 3, enredados que estamos na
economia e na política, um grande amigo economista me disse há pouco: “O trem
já passou”...
Não discordo não.
Mas o mundo não para. As transformações globais estão à
vista de todos. Gramsci, que viveu os horrores do Sec XX, já dizia em seu
pensar dicotômico: “Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade”.
E por que não lembrar também da nordestinidade teimosa,
persistente, cantada por Sérgio Ricardo na saga alegórica de Corisco?
_ “Se entrega, Corisco!
_ Eu não me entrego não!
Não me entrego ao tenente
Não me entrego ao capitão
Eu me entrego só na morte
De parabelo na mão”
Por essas e outras eis-me de volta às
inquietações com a política econômica, ao assunto do momento. As repercussões
sobre a inflação de 2024, seja as explicações formais do Pres. do Banco Central
pelo “estouro” da meta, seja as análises em todas as mídias, amparadas numa
coisa pelo menos em que somos competentes: nossos Índices de Preços, que ajudam
muito na identificação dos focos inflacionários. Mas é angustiante para mim
constatar que todos terminam “rodando o realejo”, a “caixinha de música” ou a
“ladainha” de culpar o gasto público.
Óbvio, o aprimoramento contínuo, necessário, de melhorar a
eficiência do gasto público é uma unanimidade. Mas denunciar benesses de todo
tipo, desde aquelas que apelidaram Brasília de "Ilha da Fantasia", e
que se reproduzem através dos Estados, priorizando obras públicas para as
classes abastadas, etc, etc, são coisas que, por óbvio, as mídias não
enfrentam.
Aliás uma digressão. Aquela mesma “Ilha da Fantasia”, não
por acaso inspirou “Faroeste Caboclo”, de Renato Russo, retratando nossa
heterogeneidade estrutural; e a cultura popular elevou-a em sua crítica social
na antológica recriação de Xande de Pilares em ritmo de samba, com O Grupo
Revelação e as crianças do “Afro-Reggae”.
Portanto, o trem pode ter passado. Mas enfrentar o futuro
não nos deixa alternativas. Há que se formular propostas, projetos, programas
de governo. Como pensar atores políticos sem identidade programática? Eis o
momento de somar idéias, debater.
O assunto é longo. Sobre o quesito Inflação, vou apenas
pontuar algumas ideias.
1) O Brasil precisa reaprender o uso de estoques reguladores
como instrumento de controle de preços em situações de contração de oferta de
alimentos;
2) Para uma gama ainda maior de produtos e insumos, quando o
choque de preços for de origem interna, usar o instrumento das importações; e
se o câmbio estiver desfavorável como no momento atual, encarecendo
importações, usar um câmbio diferenciado "ad hoc" para tais produtos,
pois se trata de instrumento, conjuntural, de controle inflacionário; não se
trata da volta a uma estrutura rígida de taxas de câmbio diferenciadas, do
desenvolvimentismo de outra época; veja-se também que hoje o Banco Central não
titubeia em queimar divisas na sustentação do câmbio, sabe-se lá pra quais
beneficiários;
3) Como bem apontaria um grande mestre meu, professor
emérito da UFRJ, "tem que taxar os movimentos especulativos do
dólar"; aliás digo eu, tais movimentos muitas vezes são causados pela
própria política econômica dos EUA (caso clássico do Paul Volcker- FED 1979) ou
pela conjuntura internacional; então, seria lógico defendermo-nos das nossas
vulnerabilidades; mas acho, neste aspecto intervencionista, o Haddad mais para
Langoni (Chicago) do que pra Delfim Netto...
4) Essa estabilidade anual do IPCA nos últimos anos, entre
4% a 5% aa, me faz pensar na hipótese de relevante componente inercial, através
das expectativas; neste particular, acho saudável o regime de metas de
inflação, que ajuda na coordenação das expectativas; mas, claro, condeno
totalmente esses poderes "mágicos" atribuídos à SELIC;
5) Economistas insuspeitos como o liberal André Lara
Resende, ou o celebrado brasilianista Albert Fishlow, defendem a necessidade do
crescimento acelerado sustentado da economia brasileira. O ALR chegou a falar
em 6% aa! O Fishlow foca a discussão na elevação da Taxa de Investimento que
está, digo eu, ridícula, vergonhosa, criminosa, há muitos anos; ora, como
pensar elevar o investimento sem a liderança, a ação coordenadora e planejada
do investimento público? E como elevar o investimento público nesse tal “arcabouço”-
que está mais pra “calabouço”– fiscal? Aqui não é trocadilho. Essa tendência
que vem desde a Constituinte, de amarrar o Orçamento com um monte de
reguladores automáticos do tipo “tetos”, “pisos”, “gatilhos”, reflete bem a
infantilização da política, tolhendo os graus de liberdade na alocação dos
recursos; e mesmo assim esconderam o "Orçamento da Seguridade" ou
deixaram de fazê-lo;
6) Pra terminar. Proponho conhecermos melhor a relação de
nossa heterogeneidade estrutural (Anibal Pinto, Furtado, "Belíndia"
do Bacha, "Ornitorrinco" do Chico de Oliveira) com o pequeno alcance
da política monetária; quanto mais sobe a SELIC sem derrubar a inflação, mais
esse "Poder Paralelo" do BC joga a "culpa" nas expectativas
inflacionárias "causadas" pelo Déficit Público!..
No mais, ou eu não sou capaz de interpretar esses dirigentes
do BC, ou eles estão "perplexos", "confusos",
"perdidos", escondendo-se num inconfessável discurso tecno-sofístico,
em “fuga para a frente”.
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Há dois anos publiquei em vários Grupos de Economia o artigo
“Quando os “juros altos” se tornam falsa questão”, que trata em mais detalhe a
maioria desses meus pontos.:
Eis o link:
https://gilvanmelo.blogspot.com/2023/02/alfredo-maciel-da-silveira-quando-os.htm
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