O ajuste fiscal precisa ser permanente e, do lado do
mercado, espera-se maior boa vontade com aquilo que de positivo acontecer
Os dados do Siga Brasil, sistema do Senado que reproduz a
execução orçamentária do governo, apontam um déficit primário (sem juros da
dívida pública) de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) ou R$ 44,6 bilhões em
2024. É uma cifra bem melhor do que a obtida em 2023, quando o rombo fora de
cerca de 1,6% do PIB, já descontados os precatórios pagos extraordinariamente a
partir do comando do Supremo Tribunal Federal (STF).
A meta fiscal de 2024 foi cumprida. Apesar de o compromisso
legal ser o resultado zero, há uma banda inferior de déficit de R$ 28,8 bilhões
(ou 0,25% do PIB). Como os gastos realizados para o Rio Grande do Sul são
abatidos do resultado oficial, o déficit para fins de verificação da meta
terminou 2024 em algo como 0,13% do PIB.
A evolução da arrecadação foi muito
positiva e colaborou para esse resultado. Para ter claro, fruto de medidas
adotadas desde 2023 e de ações de fiscalização e cobrança de tributos, além do
desempenho do PIB acima do esperado. As receitas devem ter crescido perto de 9%
em termos reais. Já nas despesas, descontando-se da base de 2023 os tais
precatórios volumosos, alta de 4%.
Antes de tudo, portanto, é preciso reconhecer a melhora
expressiva ocorrida na política fiscal entre 2023 e 2024. Ignorar esse fato é
erro ou má-fé. Em segundo lugar, temos de refletir sobre o desafio que se
coloca ao governo.
O dólar em nível elevado reflete a desconfiança dos agentes
econômicos e já pressiona a inflação. O risco percebido pelos investidores
traduz-se em retração nos fluxos financeiros líquidos para o País, a despeito
da boa situação da balança comercial. Os juros, por sua vez, aumentam, na
esteira das expectativas de inflação e dessas percepções de um quadro
potencialmente mais intrincado para a dívida pública, sobretudo sob crescimento
econômico menor.
É um círculo vicioso a ser rompido. A tarefa do governo é
indicar um desenho menos turvo para o curto e o médio prazos. A dívida pública
está cada vez mais perto dos 80% do PIB. Para estabilizá-la e mostrar
capacidade de obter financiamento a taxas de juros razoáveis, saldar seus
compromissos e cumprir com suas obrigações, cabe desfazer os ruídos gerados
desde o anúncio do último pacote de medidas fiscais.
O Orçamento de 2025 ainda não está aprovado. Começamos o ano
sob as regras de execução limitada de gastos não obrigatórios e de pagamento
das despesas inescapáveis, a exemplo dos salários dos servidores públicos, das
aposentadorias, etc.
Mas quais os números para este ano? As receitas projetadas
pelo governo para 2025 estão em R$ 2,349 trilhões. As despesas obrigatórias, em
R$ 2,128 trilhões, excluindo-se os precatórios que poderão ser executados por
fora das regras fiscais, conforme decisão do STF (R$ 44,1 bilhões). A meta
fiscal é zero, mas a banda inferior é de R$ 31 bilhões (0,25% do PIB).
Assim, o espaço para despesas discricionárias seria de R$
252,2 bilhões em 2025. Mas a proposta orçamentária prevê R$ 217,5 bilhões. O
leitor já percebeu que esses números levariam, portanto, a um ligeiro
superávit. O problema, entretanto, é que as receitas estão infladas. Há pelo
menos R$ 67,3 bilhões em arrecadação a mais em relação a nossas estimativas na
Warren para 2025.
Isso acontece porque o governo contemplou, no envio do
Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) ao Congresso, um volume elevadíssimo
de receitas incertas. O primeiro exemplo é a majoração da CSLL e do Imposto de
Renda sobre os Juros sobre Capital Próprio (JCP), que não vai ocorrer. O
segundo é um volume de compensações pela desoneração da folha de pagamentos.
Além desses dois, há uma miríade de rubricas com as quais o
governo conta para entregar o superávit mencionado. Mesmo considerando que
parte desse volume de mais de R$ 160 bilhões se materialize, remanesce a
diferença mencionada de quase R$ 70 bilhões.
Trocando em miúdos, será preciso um contingenciamento de
despesas discricionárias, em nossos cálculos, de ao menos R$ 35 bilhões. Esse
número viabilizaria a banda inferior da meta zero, descontados os efeitos dos
precatórios. Assim, para entregar um déficit de R$ 75,1 bilhões ou 0,6% do PIB,
em 2025, o governo terá de cortar R$ 35 bilhões.
Se a arrecadação surpreender ou se o pacote fiscal produzir
efeito superior ao que consideramos em nossas projeções de despesas
(aproximadamente 60% do estimado pelo governo), as coisas podem ficar mais
palatáveis. Não se pode trabalhar, no entanto, no limite da navalha.
É melhor, ao contrário, produzir, logo após o Orçamento
aprovado pelo Congresso, um contingenciamento relevante. Esse, sim, seria um
sinal concreto de compromisso mínimo com as metas estipuladas para a evolução
das contas públicas.
Na Warren, desde julho, indicamos que não haveria alteração
da meta e que o governo conseguiria entregar o resultado prometido.
Vislumbramos uma dinâmica claramente melhor do que a projetada, inicialmente,
para as receitas, e promovemos as alterações em nossas estimativas.
O bom desempenho de 2024, contudo, não anula a grande tarefa
pela frente em 2025. O ajuste fiscal precisa ser permanente e, do lado do
mercado, esperase maior boa vontade com aquilo que de positivo acontecer. A
César o que é de César.
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