À intenção do governo de dificultar as remunerações
inconstitucionais, os parlamentares responderam com a criação de uma aprovação
facilitada — de costas para a Carta Magna e para o povo
O leitor deve estar estranhando esse título. Explico. Fiquei
espantado com o desfecho final do pacote de corte de gastos recentemente
aprovado. O que foi apresentado pelo governo era de baixa potência para
reequilibrar as contas públicas. E o que saiu do Congresso Nacional, ficou
pior.
Refiro-me especificamente à proposta de eliminação dos
supersalários e demais penduricalhos dos altos funcionários da República, em
especial, os do Poder Judiciário, Ministério Público e órgãos
fiscalizadores.
A Constituição Federal é clara ao proibir o
pagamento de remuneração, a qualquer título, acima do teto do que ganham os
ministros do Supremo Tribunal Federal. Isso é explicitado no artigo 37, inciso
XI que, entre outras restrições, diz que "sob qualquer forma de pagamento,
a remuneração dos ocupantes de cargos da administração direta, autárquica e
fundacional, nos três níveis de governo, não pode exceder o subsídio mensal dos
ministros do Supremo Tribunal Federal".
Para completar, o artigo 39, § 4º é ainda mais claro ao
"vedar o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio,
verba de representação ou outra espécie remuneratória". Isso significa que
os repasses de verbas além do referido teto são ilegais, o que inclui,
evidentemente, os penduricalhos.
Pois bem. Apesar de todas essas proibições, o governo
incluiu no pacote de gastos uma cláusula, dita restritiva, mas que, na
realidade, abria a possibilidade de quebrar as regras acima ao permitir
pagamentos acima do teto, desde que aprovados por lei complementar, que exige
maioria absoluta de votos do Congresso Nacional.
Os parlamentares tiveram o atrevimento de afrouxar ainda
mais a indevida concessão, ao estabelecer que pagamentos adicionais aos
servidores do alto escalão da República podem ser autorizados por lei
ordinária, que é de aprovação mais fácil, com maioria simples.
Ou seja, à intenção do governo de dificultar as remunerações
inconstitucionais, os parlamentares responderam com a criação de uma aprovação
facilitada — de costas para a Carta Magna e para o povo. Como diz José Paulo
Cavalcanti Filho, "a Constituição, que nos países maduros é uma Lei Maior,
referência e obrigação para todos, no Brasil virou enfeite" ("Até
quando?", O Globo, 17/2/2024). É isso mesmo, pois, os que hoje recebem
somas altíssimas, continuarão recebendo como se fossem "privilégios
adquiridos".
A conduta dos nossos parlamentares ilustra bem a razão de o
Brasil não avançar e crescer. Temos instituições fracas, ardilosas e
deturpadoras. Essa é a tese dos economistas Daron Acemoglu e James A. Johnson
que ganharam o Prêmio Nobel em 2024 ao escreverem o best seller Por que as
nações fracassam (Editora Elsevier, 2012).
Com base em uma bem fundamentada análise histórica, Acemoglu
e Jonhson demonstram que inúmeras nações tiveram o progresso bloqueado pelo
predomínio de "instituições extrativistas" —, referindo-se às
decisões dos parlamentos que, para favorecer as minorias dos mais fortes,
extraem os recursos dos mais fracos.
Essa análise cabe perfeitamente nesse caso. Os beneficiários
das benesses, supersalários e penduricalhos — isentos de Imposto de Renda —,
por meio de um lobby eficiente, levaram o Congresso Nacional a aprovar uma
fórmula que dá legalidade às regras que extraem do povo brasileiro as
facilidades que sustentam os seus privilégios. Essa foi a
"contribuição" dos parlamentares extrativistas que, com sua
"iluminada" decisão, reforçaram a captura do Estado pelos lobbies
poderosos do serviço público.
É assim que as nações fracassam. Nos últimos 20 anos, a
média de crescimento anual do PIB do Brasil ficou em meros 2% — uma marca
ridícula e insuficiente para atender as necessidades dos mais
vulneráveis.
Não há dúvida. Instituições de boa qualidade são cruciais
para o crescimento econômico e o progresso social. Instituições de má
qualidade fazem o contrário. Na decisão tomada pelos nobres parlamentares,
deu-se um verdadeiro tapa na cara dos brasileiros que têm de trabalhar, viver e
sustentar suas famílias com o "generoso" salário mínimo de R$
1.518,00 que os mesmos parlamentares aprovaram para 2025.
*Professor (aposentado) da Universidade de São Paulo,
membro da Academia Paulista de Letras e presidente do Conselho de Emprego e
Relações do Trabalho da Fecomercio-SP
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