sábado, 4 de janeiro de 2025

PRAGMATISMO BRASILEIRO: NEGOCIAR COM TRUMP

Carlos Alberto Sardenberg, O Globo

Governo precisa encontrar um caminho para negociar com os EUA

O Brasil terá mais dificuldades para encontrar outros mercados se houver restrições a nossos produtos nos Estados Unidos

Nos diversos discursos em que ameaçou aumentar as tarifas de importação para níveis punitivos, o presidente Donald Trump citou o Brasil apenas uma vez, quase de passagem. Disse, no meio de um discurso sobre vários temas:

— O Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa.

Não deu detalhes, ao contrário do que fez nos casos de ChinaMéxico e Canadá, ameaçados com aumentos brutais de tarifas (60%, no mínimo, para produtos chineses, 25% para mexicanos e canadenses). Esses três países são os alvos preferenciais, por serem os maiores exportadores para os Estados Unidos.

O Brasil nem aparece na lista dos principais fornecedores do mercado americano. Daí a escassa atenção de Trump. Mas, vistas as coisas do nosso lado, os Estados Unidos são muito importantes. Trata-se do segundo destino de nossas vendas externas, atrás apenas da China.

O governo brasileiro tem, ou deveria ter, motivos para preocupação. Mas até aqui não fez qualquer movimento. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, que é de esquerda, apressou-se em conversar com Trump. Assim como o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. Com a China, pelo menos até aqui, parece não ter conversa. É conflito.

Mesmo para os aliados, como México e Canadá, a conversa começa difícil. Disse um dos colaboradores de Trump:

— A tarifa de importação é uma arma que estará sobre a mesa; não será necessariamente usada; mas se for preciso, será.

Parece uma proposta de negociação, começando, porém, com condições duras aplicadas pela parte mais forte. Mas o que os governos mexicano e canadense podem fazer? Das exportações mexicanas, nada menos que 77% cruzam a fronteira para os Estados Unidos. Das canadenses, são 75%.

No caso do Brasil, o tamanho do problema parece menor. Algo como 11% das nossas exportações vão para os Estados Unidos. A maior parte vai para a China. Mas há grande diferença na qualidade do comércio. Se, para a China, o Brasil exporta commodities, para os Estados Unidos são produtos industriais, de maior valor agregado. Tem mais: no ano passado, as exportações totais do Brasil sofreram queda. Para os Estados Unidos, cresceram forte.

Resumindo: no comércio externo, o mercado americano é o mais importante para a indústria brasileira. As perdas locais serão fortes se Trump envolver o Brasil na guerra tarifária. Os produtos americanos aparecem em segundo lugar nas importações brasileiras: aeronaves, máquinas, equipamentos, tecnologia, motores e medicamentos. Daqui para lá, entre os mais importantes: aeronaves (da Embraer), café, celulose, combustíveis.

O que fazer? Nada, esperando que Trump se esqueça do Brasil e gaste tempo e energia com China, México e Canadá? Ou procurar vias de contato com a futura administração americana?

O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, disse que o Brasil precisa ser pragmático nas relações com os Estados Unidos. Observa ainda que os americanos têm investimentos de US$ 150 bilhões no Brasil. E que grandes empresas brasileiras empregam milhares nos Estados Unidos.

Verdade, negócios são negócios. Mas do lado de lá está Trump, amigo do bolsonarismo e criticado por Lula, quando o presidente brasileiro manifestou preferência pela democrata Kamala Harris. Ainda assim, e falando francamente, o problema maior está do lado brasileiro. Pelo peso pequeno do Brasil na balança comercial americana, é mais fácil para os Estados Unidos substituir as importações brasileiras. O Brasil terá mais dificuldades para encontrar outros mercados se houver restrições a nossos produtos nos Estados Unidos.

Logo, e para ser pragmático, o governo Lula precisa encontrar algum caminho para negociar com a administração americana. Precisa estar preparado quando o problema das tarifas aparecer. Quem está conversando com Trump é o presidente da ArgentinaJavier Milei, que fala em fechar acordo comercial direto com os Estados Unidos. Seria outro problema por aqui. Depois do americano, o mercado argentino é nosso maior cliente para produtos industriais.

Haja pragmatismo.

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