Clima não é único vilão responsável pela área devastada.
Faltou ação do governo quando era mais necessário
Um relatório do MapBiomas traduz em números a sensação que
os brasileiros experimentaram no ano passado, quando cidades ficaram envoltas
em fumaça. Em 2024, as queimadas destruíram 30,8 milhões de hectares, quase 80%
acima de 2023. Foi a maior devastação desde o início da série histórica, em
2019 — área comparável à Itália. O fogo consumiu mais floresta que o
desmatamento.
Do total queimado, 73% era vegetação nativa, principalmente
formações florestais. A Amazônia foi o bioma mais atingido, com 17,9 milhões de
hectares perdidos, mais que a área incendiada em todo o país em 2023. No
Cerrado, foram destruídos 9,7 milhões de hectares. O Pantanal perdeu 1,9
milhão, e a Mata Atlântica 1 milhão. No rol dos estados mais atingidos, o Pará,
futura sede da Conferência do Clima da ONU (COP30), aparece no topo, com 7,3
milhões de hectares, seguido de Mato Grosso (6,8 milhões) e Tocantins (2,7
milhões). Os três estados respondem por 55% da área queimada.
O levantamento afirma que a devastação está
associada à seca e à influência do fenômeno climático El Niño. Sob essas
condições, a vegetação se torna mais suscetível às chamas. Mas o clima não é o
único vilão. “É preciso haver maior controle e transparência dos governos
estaduais e federal sobre o uso das terras e licenciamento para uso do fogo
pela agropecuária”, diz Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia e coordenadora do MapBiomas Fogo.
O fracasso do país no combate ao fogo fica evidente nos
dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), que monitora focos de incêndio por satélite. Em 2024, foram registrados
278.299 focos, 46,5% mais que em 2023 e o maior número desde 2010. Os meses
mais críticos foram agosto e setembro, que somaram 55% do total. Ainda que as
condições climáticas sejam as principais responsáveis pelo alastramento das
chamas, a profusão de focos demonstra a inércia do governo Luiz Inácio Lula da
Silva diante do fogo.
Quando na oposição, os petistas criticaram duramente a
gestão Jair Bolsonaro pela leniência com as queimadas. Esperava-se mais de um
governo eleito empunhando bandeiras ambientalistas. Na maioria dos casos o
incêndio não é espontâneo, mas provocado. Apesar disso, as ações costumam ser
mais reativas que preventivas. No ano passado, o governo federal só esboçou
reação quando a fumaça encobriu Brasília. Apenas quando a vegetação já estava
queimando se correu para criar forças-tarefas, providenciar equipes de brigadistas,
aeronaves e outros meios de enfrentar as chamas. Os números do Inpe mostram que
os focos se concentraram em dois meses — fato que deveria ter facilitado o
trabalho das autoridades. Não foi o que se viu.
Não se deveria esperar o país ser assolado pelas chamas e
pela fumaça para tomar providências. As chuvas deste verão podem ter deixado o
problema em segundo plano. Mas as mudanças climáticas são inclementes. Não se
pode contar só com a água que cai do céu para enfrentar as queimadas.
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