Efeitos nefastos do novo mandato se estenderão do clima à
geopolítica, da economia à regulação da tecnologia
Ninguém pode se dizer surpreso com as primeiras medidas
tomadas por Donald Trump ao
assumir a Presidência dos Estados Unidos.
Elas refletem tudo o que ele repetiu ao longo da campanha que o levou de volta
à Casa Branca e, por absurdas que sejam, se alinham com o desejo dos eleitores
americanos. Não quer dizer que sejam menos preocupantes ou menos assustadoras.
Vistas no conjunto, representam retrocesso em diversas áreas — do clima à
geopolítica, da economia à tecnologia. A colonização de Marte prometida por
Trump é para lá de incerta, mas o Planeta Terra certamente ficará pior com ele
no poder.
Na política externa, há uma contradição entre o Trump que se
proclama “pacificador e unificador” e o Trump que pretende retomar o Canal do
Panamá, nutre pretensões sobre Groenlândia e Canadá e quer mudar o nome do
Golfo do México. De um lado, ele foi essencial na negociação para libertar
reféns do Hamas — fato que suscitou aplauso unânime na posse. De outro, ameaça
a China e fala em investir nas “Forças Armadas mais fortes de que o mundo tem
notícia”. Qual Trump prevalecerá, o bélico ou o pacifista?
Se no aspecto militar pode haver dúvida, no
econômico não há nenhuma. Trump abraçou a agenda mercantilista que tenta
proteger a indústria local por meio de tarifas, enxerga déficits externos como
problemas e considera o comércio internacional um jogo de soma zero. Promessas
populistas — como a revisão no sistema tarifário para “beneficiar famílias
americanas” ou exigir das agências federais que trabalhem para “derrotar a
inflação” — são equívocos que, uma vez postos em prática, cobrarão seu preço em
termos de crescimento e produtividade. Terão o efeito contrário ao desejado.
Mais grave é o incentivo que, sob o pretexto de preservar
empregos americanos, Trump pretende dar à exploração de petróleo e gás e à
indústria baseada no motor a combustão. O corte dos estímulos à transição
energética introduzidos por Joe Biden e a retirada dos Estados Unidos do Acordo
de Paris representam um recuo na agenda ambiental de consequências gravíssimas.
Sem o compromisso do governo americano para reduzir emissões dos gases de
efeito estufa, os danos das mudanças climáticas já em curso se agravarão.
Outro retrocesso previsível se dará na regulação das redes
sociais. Não foi coincidência a presença dos líderes das maiores plataformas
digitais na primeira fileira da plateia da posse. Trump cedeu aos apelos
daqueles que, disfarçados de defensores da liberdade de expressão e da
inovação, se recusam a assumir responsabilidade pelos danos que causam. O
decreto revogando as precauções adotadas pelo governo Biden na inteligência
artificial foi um primeiro sinal preocupante.
São um recuo civilizatório as medidas para desmantelar
políticas de diversidade e inclusão, em especial as relativas à comunidade
LGBTQIA+. E foi um absurdo oportunista o perdão aos insurretos que invadiram o
Capitólio para tentar mantê-lo no poder.
Como esperado, Trump concentrou energia nas medidas de
restrição à imigração ilegal. Parte delas traduz seu impulso populista — a
deportação de milhões é um mistério de ordem prática. Outra parte enfrentará
obstáculos na Justiça — como revogar a cidadania dos nascidos em solo
americano. As turbulências jurídicas e políticas do primeiro mandato de Trump
poderão parecer pequenas ante o que está por vir.
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