É legítimo pugnar pela regulação das ‘big techs’, mas com
respeito às competências dadas pela Constituição, e não por voluntarismo dos
que se arvoram em fiscais de discurso
A racionalidade nunca pautou o debate sobre a regulação das
redes sociais no Brasil. E o que já era ruim piorou desde o anúncio das
mudanças na política de moderação da Meta feito pelo CEO da empresa, Mark
Zuckerberg, no dia 7 passado. De lá para cá, o que se vê é uma confusão
institucional causada pela politização exacerbada do tema, o que só presta para
atender aos interesses do governo Lula da Silva e do Supremo Tribunal Federal
(STF) no que concerne à posição do Estado em relação às big techs, e não
para iluminar uma discussão que deve ser travada primordialmente no Congresso.
De antemão, é oportuno relembrar a posição deste jornal
sobre a regulação das redes sociais. O Estadão defende a
constitucionalidade do Marco Civil da Internet, sobretudo de seu art. 19, que
estabelece que os provedores de internet só podem ser responsabilizados por
danos decorrentes de conteúdo publicado por terceiros se houver descumprimento
de ordem judicial para sua exclusão. Trata-se de uma lei madura, equilibrada,
que a um tempo preserva as liberdades constitucionais e assegura aos eventuais
ofendidos o direito à reparação. Numa democracia, a liberdade de expressão com
responsabilidade sempre há de prevalecer.
Dito isso, bastou Zuckerberg fazer seu anúncio para que um
espírito censório disfarçado de zelo se manifestasse por atos e palavras de
membros do governo, a começar por Lula, e do STF. Comecemos pela impertinência
do Executivo.
Como se não vivêssemos em um país acossado por problemas
sociais e econômicos muito mais urgentes do que a forma como Zuckerberg conduz
seus negócios privados, Lula achou que era o caso de convocar uma reunião de
“emergência” com alguns de seus ministros e com a Advocacia-Geral da União
(AGU) a fim de “estruturar a reação do governo à decisão da Meta”, conforme
apurou o Estadão.
Ora, o governo não tem de estruturar reação alguma, até
porque as medidas anunciadas pela Meta ainda não estão em vigor no Brasil. Mas
os petistas, como é notório, sempre foram afeitos ao “controle da narrativa”,
chamemos assim, o que, na prática, significa usar e abusar de todos os
instrumentos de que dispõem quando estão no poder para impor suas versões dos
fatos e limitar a circulação de críticas, especialmente a Lula. Recorde-se que
o PT sempre pugnou pelo “controle social da mídia”, o que nada mais é do que um
eufemismo para a censura ao jornalismo profissional por órgãos do Estado. Como
jamais houve apoio para a aprovação desse desvario liberticida, hoje a censura
vem empacotada como “embate político” nas redes sociais.
Nesse afã, até vídeos claramente satíricos com críticas a
membros do governo – como foi o caso de um vídeo envolvendo o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, e sua notória ânsia por aumentar a arrecadação – são
tratados como “desinformação”. Justificando que o governo não poderia
“compactuar com a barbárie” que, em sua visão, ocorre nas redes sociais, o
advogado-geral da União, Jorge Messias, pediu – e conseguiu – que o tal vídeo
fosse retirado do ar pela Meta. É esse o mundo sonhado pelos petistas quando vêm
a público posar como defensores das leis e da democracia.
O ministro do STF Alexandre de Moraes, por sua vez, também
não demorou para se imiscuir onde não deveria. No dia seguinte ao anúncio feito
por Zuckerberg, Moraes veio a público com um discurso carregado em tintas
políticas para assegurar que tem “absoluta convicção” de que o STF vai “regular
as redes sociais” e que estas “não são terra sem lei” no Brasil, de resto um
truísmo. Se há necessidade de regulação, e há, obviamente ela deve ser feita
pela sociedade por meio de seus representantes eleitos, e não pelo STF. Se o
Congresso não o fez até agora, é porque o tema ainda não está politicamente
maduro.
Resta claro que há uma coincidência, para dizer o mínimo,
entre os interesses do governo Lula e do Supremo para vilanizar as big
techs, como se estivéssemos diante da maior ameaça à democracia na história
recente. É perfeitamente legítimo defender a regulação das redes sociais, mas
isso deve ser feito com prudência e, principalmente, respeito às competências
estabelecidas pela Constituição, e não por voluntarismo dos que se arvoram em
fiscais de discurso.
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