terça-feira, 14 de janeiro de 2025

O BONDE DA MACONHA NO BRASIL

Editorial Folha de S. Paulo

STJ mostra sensatez ao autorizar produção de cânhamo no país; regulamentação deve se basear em estudos, não em ideologia

O conservadorismo do Congresso Nacional e de parte da população condena o debate a respeito da maconha medicinal ao maniqueísmo ideológico, dificultando acesso ao remédio. Decisão recente do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema representou algum avanço, ainda que persistam dúvidas sobre os seus resultados.

A manifestação do STJ nem sequer trata da Cannabis sativa, mas da Cannabis ruderalis, conhecida como cânhamo, que tem baixo teor do componente psicoativo THC, responsável pelos efeitos alucinógenos A permissão para importar e germinar sementes dessa variedade da planta favorece a produção de canabidiol (CBD) e de fibras para a indústria.

A medida pode contribuir para reduzir preços do CBD, que tem sido prescrito para tratar epilepsia, dor crônica, depressão, esclerose múltipla, autismo, náusea por quimioterapia, doença de Parkinson e insônia.

Não se garante, contudo, que haverá impacto significativo no acesso ao medicamento. Em artigo na Folha, Martim Mattos, empresário do setor, argumenta que a matéria-prima hoje importada no país representa apenas 10% dos custos de produção e que a maior barreira está na escala, vale dizer, na baixa demanda criada pelos médicos ao raramente prescreverem o canabidiol.

No Brasil, órgãos da classe erguem obstáculo à inovação. O Conselho Federal de Medicina, movido mais por preconceito, só chancela a prescrição de CBD para raras epilepsias, como síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut.

Já o Judiciário tende a seguir países menos refratários. Foi assim com a tardia decisão do Supremo Tribunal Federal, em junho, que estipulou limite de 40 gramas de maconha para diferenciar usuários de traficantes —invadindo, assim, a seara de Congresso. Este, por sua vez, ameaça com o disparate de incluir a criminalização das drogas na Constituição.

Trata-se de questão de princípio. Dificultar a oferta de medicamentos com benefícios comprovados é descabido.

E mesmo o uso da planta por adultos para fins psicotrópicos sem recomendação médica deveria ser regulamentado com base na liberdade individual. Não é papel do Estado decidir sobre o que cada um faz com o próprio corpo.

De todo modo, produzir estudos científicos sobre aplicações clínicas da cannabis e sobre seu potencial agronômico, como planeja a Embrapa, fornecerá base ainda mais sólida para descarrilar o bonde de preconceitos que ainda atravanca no país os benefícios para a saúde e a economia que a maconha possa trazer.

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