STJ mostra sensatez ao autorizar produção de cânhamo no
país; regulamentação deve se basear em estudos, não em ideologia
O conservadorismo do Congresso
Nacional e de parte da população condena o debate a respeito da maconha medicinal
ao maniqueísmo ideológico, dificultando acesso ao remédio. Decisão recente do
Superior Tribunal de Justiça sobre o tema representou algum avanço, ainda que
persistam dúvidas sobre os seus resultados.
A manifestação do STJ nem sequer
trata da Cannabis sativa, mas da Cannabis ruderalis, conhecida como cânhamo,
que tem baixo teor do componente psicoativo THC, responsável pelos efeitos
alucinógenos A permissão
para importar e germinar sementes dessa variedade da planta favorece a
produção de canabidiol (CBD) e de fibras para a indústria.
A medida pode contribuir para reduzir preços do CBD, que tem
sido prescrito para tratar epilepsia, dor crônica, depressão, esclerose
múltipla, autismo, náusea por quimioterapia, doença de Parkinson e insônia.
Não se garante, contudo, que haverá impacto significativo no
acesso ao medicamento. Em artigo na Folha, Martim Mattos, empresário do
setor, argumenta que a matéria-prima hoje importada no país representa apenas
10% dos custos de produção e que a maior barreira está na escala, vale dizer,
na baixa demanda criada pelos médicos ao raramente prescreverem o canabidiol.
No Brasil, órgãos da classe erguem obstáculo à inovação. O
Conselho Federal de Medicina, movido mais por preconceito, só
chancela a prescrição de CBD para raras epilepsias, como síndromes de
Dravet e Lennox-Gastaut.
Já o Judiciário tende a seguir países menos refratários. Foi
assim com a tardia decisão do Supremo Tribunal Federal, em junho, que estipulou
limite de 40 gramas de maconha para diferenciar usuários de traficantes
—invadindo, assim, a seara de Congresso. Este, por sua vez, ameaça com o
disparate de incluir a criminalização das drogas na Constituição.
Trata-se de questão de princípio. Dificultar a oferta de
medicamentos com benefícios comprovados é descabido.
E mesmo o uso da planta por adultos para fins psicotrópicos
sem recomendação médica deveria ser regulamentado com base na liberdade
individual. Não é papel do Estado decidir sobre o que cada um faz com o próprio
corpo.
De todo modo, produzir estudos científicos sobre aplicações
clínicas da cannabis e sobre seu potencial agronômico, como
planeja a Embrapa, fornecerá base ainda mais sólida para descarrilar o
bonde de preconceitos que ainda atravanca no país os benefícios para a saúde e
a economia que
a maconha possa trazer.
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