Congresso direciona um quinto das despesas não
obrigatórias; distorções incluem má alocação de recursos e clientelismo
Emendas parlamentares fazem parte do jogo político
brasileiro desde a redemocratização. Despesas paroquiais incluídas por
deputados e senadores no Orçamento, bem como a barganha com o Executivo para a
liberação dos recursos, tornaram-se uma espécie de mal necessário para garantir
a governabilidade em um país de extrema fragmentação partidária.
Elas estiveram no centro de um escândalo nacional em 1993,
entre outros casos de desmandos desde então. Até meados da década passada,
porém, sua participação nos gastos federais não tinha dimensão suficiente para
comprometer de modo decisivo as políticas públicas. Isso mudou.
Conforme a Folha noticiou, emendas
parlamentares responderam
por praticamente um quinto (19,5%) das despesas discricionárias —não
obrigatórias, centradas em custeio e investimento— do governo federal. Foram
quase R$ 45 bilhões de um total de R$ 230,1 bilhões.
Apenas cinco anos antes, em 2019, essa proporção não chegava
a 8%. A história é conhecida: o governo Jair
Bolsonaro (PL),
sem sustentação sólida do Congresso, cedeu fatias crescentes dos recursos da
União aos parlamentares. O padrão se manteve com Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
A extensão dos danos provocados por esse modelo —entre eles, suspeitas
de malversação de verbas em investigação—
ainda está por ser esmiuçada. Entretanto a mera exposição dos números já
evidencia distorções.
Deputados e senadores alocam recursos em busca,
principalmente, de votos em suas bases eleitorais. Daí o interesse
desproporcional em ministérios menos prioritários, mas especializados em
repasses diretos a municípios, casos de Integração Regional, Esporte e Turismo.
O primeiro recebeu mais emendas (R$ 2,1 bilhões) do que a
portentosa pasta da Educação (R$
1,5 bilhão). O segundo (R$ 1,3 bilhão), muito mais que Ciência e
Tecnologia (R$ 90 milhões).
Órgãos e programas vão se convertendo em feudos
parlamentares. O tradicional Calha Norte, tocado pelos militares desde os anos
1980 em áreas fronteiriças, passou a ser usado para obras de pavimentação e
entregas de veículos definidas por critérios políticos. O desvio de finalidade
foi tal que a iniciativa passará da Defesa para a Integração Regional.
Também já chamam a atenção de autoridades os casos de
entidades, como ONGs de áreas diversas, que recebem grande volume de recursos
direcionados por congressistas e por vezes nem
mesmo prestam as devidas contas sobre o destino do dinheiro.
Nesse cenário, não é tranquilizador que, por imposições
legais, a maior parte das emendas se destine à Saúde —R$
24,8 bilhões em um total de R$ 55,7 bilhões em gastos discricionários. Ao
contrário, é temerário que parcela tão grande das ações num setor vital seja
movida a interesses do varejo partidário. E não é por acaso que a gestão do SUS
virou alvo da cobiça do centrão.
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