terça-feira, 14 de janeiro de 2025

CENÁRIO INCERTO DIFICULTA PREVER A BALANÇA COMERCIAL

Editorial Valor Econômico

Se as ameaças tarifárias de Donald Trump se confirmarem, pode haver uma onda de protecionismo, com repercussão internacional

Depois do desempenho recorde de 2023, o saldo da balança comercial encolheu no ano passado. A desvalorização do real não impulsionou o valor das exportações, que recuaram 0,8%, para US$ 337,036 bilhões, nem arrefeceu as importações, que saltaram 9%, para US$ 262,484 bilhões. O superávit comercial ficou em US$ 74,55 bilhões, queda de 24,6% em relação ao ano anterior.

Ainda assim, o superávit de 2024 foi o segundo maior da série histórica e superou as previsões do governo, após o recorde de US$ 98,9 bilhões de 2023, que interrompeu uma trajetória morna, com resultados estacionados entre US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões nos primeiros anos desta década. A diminuição da receita das exportações brasileiras em 2024, na comparação com 2023, é consequência do recuo de 3,6% dos preços dos produtos embarcados, já que houve aumento de 3% do volume exportado, informou a Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic).

O resultado teria sido pior não fosse o salto inédito das exportações de petróleo, que ultrapassou em valor a soja e outras commodities agrícolas e se tornou o principal produto da pauta brasileira. As exportações de óleos brutos de petróleo superaram a soja em novembro e, ao final do ano, totalizaram US$ 44,84 bilhões, com crescimento de 5,2%. Já os embarques de soja tiveram queda de 19,4%, para US$ 42,94 bilhões, em consequência da redução da safra passada e da queda dos preços internacionais. Minério de ferro, outro item tradicional, também teve queda de 2,4%, para US$ 29,84 bilhões.

A Secex ressaltou que a indústria de transformação atingiu o volume de US$ 181,9 bilhões exportados pela primeira vez desde o início da série histórica, em 1997. Entre eles, destacou a presença de bens de alta tecnologia, como aeronaves e partes, cujo salto foi de 22,7%, para US$ 4,4 bilhões em 2024, vendidos para mercados sofisticados como os Estados Unidos e a União Europeia.

Do lado das importações, chamaram a atenção as compras de bens de capital, estimuladas pela redução de preços, que somaram US$ 35,7 bilhões no ano passado, o maior patamar da série e com crescimento de 20,6% em relação a 2023. Essas aquisições foram festejadas como indicativo de aumento dos investimentos, geralmente baixos no país. O salto de 43,2% nas importações de automóveis de passageiros, em um total de US$ 8,29 bilhões, foi outro destaque e sinal do avanço dos veículos elétricos.

A significativa redução do superávit com a China, maior parceiro comercial brasileiro, para US$ 20,6 bilhões, depois dos US$ 30,8 bilhões em 2023, foi em parte equilibrada com a ampliação dos negócios com outros destinos, inclusive na Ásia. O superávit com a Argentina, maior parceiro comercial na América Latina, diminuiu de US$ 4,7 bilhões em 2023 para US$ 200 milhões no ano passado, em consequência dos problemas econômicos do vizinho. Já o déficit comercial com os Estados Unidos diminuiu para US$ 253 milhões, em comparação com US$ 1 bilhão em 2023.

Se o comércio exterior foi desafiador para o Brasil em 2024, este ano não promete ser diferente. As perspectivas estão condicionadas a fatores internos e externos. Do lado doméstico, o projetado aumento da safra agrícola favorece o crescimento das exportações de commodities e deve dar fôlego aos embarques. A produção de grãos deve crescer 8,4% em comparação com o ciclo 2023/24, com destaque para a previsão de recorde de soja, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

A desvalorização do real, com o dólar acima de R$ 6, pode favorecer exportadores ao tornar os produtos brasileiros mais competitivos no mercado externo. Contudo, esse benefício é atenuado pela inflação e pela volatilidade cambial, fatores que prejudicam o planejamento de longo prazo no comércio exterior. Apesar da previsão de desaceleração da economia doméstica e do dólar caro, as importações podem se manter em nível importante.

Mas o fator mais importante para definir o cenário será a política comercial a ser implementada por Donald Trump. Em campanha, Trump disparou várias ameaças de aumentar as taxações no comércio exterior, o que já está deixando seus parceiros preocupados. Se as ameaças se confirmarem, pode haver uma onda de protecionismo, com repercussão internacional.

O Brasil aparentemente adotou a política de esperar para ver. O governo confia nos vínculos empresariais e nos mecanismos de diálogo existentes, utilizados anteriormente. Acredita ainda não estar na linha de tiro do governo americano uma vez que responde apenas pelo sexto maior superávit dos EUA, somando mercadorias e serviços. A aposta é arriscada. De toda forma, um dos alvos mais evidentes dos americanos é a China. Como o país asiático é o principal parceiro comercial do Brasil, haverá repercussão também aqui. O país precisará reforçar sua diversificação, especialmente em mercados emergentes e parceiros como o México, onde programas tarifários abrem espaço para maior exportação de alimentos processados e outros produtos.

A dificuldade de prever o resultado da balança comercial deste ano, no entanto, revela a insegurança do governo. A primeira estimativa da Secex é que o superávit da balança comercial vai variar de US$ 60 bilhões e US$ 80 bilhões neste ano - previsão inferior à preliminar da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) de saldo positivo de US$ 93 bilhões neste ano. No relatório Focus desta semana, a previsão mais recente é de saldo de US$ 73,95 bilhões.

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