Recuo do governo foi interpretado pelos internautas como
vitória da oposição
Um dia após a revogação da norma da Receita Federal sobre o
monitoramento das movimentações financeiras, incluindo o Pix, a fim de conter a
onda de “fake news” na internet, a percepção de especialistas em redes sociais
é de que o governo perdeu a batalha da informação, mesmo ao recuar da nova
regra fiscal.
“Nenhuma estratégia faria com que o governo atingisse o
mesmo patamar [de visualizações e interações] alcançado pela oposição, a fim de
contrapor os argumentos contra a medida”, observou André Eler, diretor-técnico
da consultoria Bites. O objetivo da norma era nobre: combater fraudes e
sonegação em operações de Pix acima de R$ 5 mil.
Um levantamento produzido pela consultoria Bites a pedido da
coluna atestou os números excepcionais do debate sobre o tema nas redes
sociais. Nos últimos 14 dias, foram registradas mais de 2,1 milhões de
publicações sobre a regra do Pix no X, notícias, blogs, YouTube, Reddit,
páginas abertas do Facebook e perfis selecionados no Instagram, em português.
Em média, 150 mil por dia.
O vídeo demolidor do deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG) contra a norma da Receita havia alcançado mais de 300 milhões
de visualizações e 5 milhões de interações até a noite dessa quinta-feira. Na
mídia, Nikolas nocauteia a gestão Lula 3 na primeira frase: “O governo quer
saber como você ganha R$ 5 mil e paga R$ 10 mil de cartão, mas não quer saber
como uma pessoa que ganha um salário mínimo faz para sobreviver”.
Em contrapartida, em um dos primeiros vídeos da era Sidônio
Palmeira na Secretaria de Comunicação Social (Secom), Lula faz um Pix para a
campanha de arrecadação para pagamento da dívida do Corinthians. A mídia havia
atingido 16,4 milhões de visualizações essa quinta-feira.
O vídeo de Nikolas deflagrou uma série de postagens de
perfis de políticos sobre o assunto, incluindo ministros, parlamentares e
governadores. A distância no engajamento de um lado e outro chama a atenção:
foram 2,4 milhões de publicações contra a disseminação de “fake news” sobre o
Pix, ante 11,1 milhões propagando as informações falsas.
Diante desse contraste de forças, a avaliação de André Eler
é de que “não daria para convencer a população de que a medida não era ruim”.
Ainda assim, o recuo do governo foi interpretado pelos internautas como vitória
da oposição.
A leitura predominante nas principais plataformas, ao longo
da quinta-feira, foi de que o Executivo voltou atrás pela pressão de Nikolas,
que no vídeo campeão de audiência teria “desmascarado” o governo, cujas
intenções reais seriam cobrar imposto sobre o Pix, senão agora, no futuro.
Uma fonte que participou das discussões sobre a revogação da
norma defendeu, à coluna, a opção do Executivo. “A campanha informativa não
teve o efeito esperado; ao contrário, a oposição redobrou a aposta na campanha
de desinformação”, argumentou. Mas ponderou que a avaliação interna foi de que,
com o gesto, o governo tiraria o discurso do adversário para interromper o
massacre nas redes. “A lição é de que nem sempre uma ação correta será bem
recebida”, lamentou.
Mas o problema vai além de ganhar ou perder a batalha do
Pix. “A revogação da medida não convence a população de que o governo se
importa com os cidadãos porque já se consolidou a ideia de que este é um
governo que só gosta de taxar, e não se preocupa com os trabalhadores
informais”, alertou Eler.
A ideia de que o governo Lula 3 só pensa em arrecadar
consolidou-se no imaginário popular, em especial, a partir da “taxação das
blusinhas”. É por isso que um dos desafios de Sidônio será tentar desfazer o
estigma “Taxad” que a oposição conseguiu colar no ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, desde o ano passado, quando começou a cobrança do imposto sobre as
compras internacionais de até US$ 50. O episódio provocou uma onda de memes de
Haddad com os apelidos “Taxad” e “Taxman”, que foram parar até em um telão na
Times Square, em Nova York.
Nem mesmo apressar a votação no Congresso da ampliação da
isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil contribuiria para
desfazer a má vontade dessa parcela da população com o governo. Eler afirma que
as pessoas só acreditarão na boa nova, a fim de melhorar a percepção sobre o
governo, quando ela se consumar nos contracheques, e isso só ocorrerá em 2026 -
se o Congresso aprovar a medida.
Em paralelo, em meio à crise de comunicação, Lula e Sidônio
reuniram-se na quinta-feira com o prefeito de Recife, João Campos (PSB),
considerado um fenômeno nas redes sociais, e o único quadro da esquerda com um
desempenho nas plataformas tão eficiente quanto perfis da direita. O
marqueteiro dele, Rafael Marroquim, está prestando consultoria para a equipe do
novo ministro da Secom. Da mesma forma, Campos deve atuar como conselheiro
informal de Lula nessa área.
No carnaval, um único vídeo de Campos teve alcance
comparável às postagens de celebridades internacionais. Na publicação de 7s,
ele anuncia que “nevou”, ou seja, pintou o cabelo de loiro platinado - uma
tradição da festa, principalmente nas periferias. Somente no Instagram, foram
25 milhões de visualizações, mais de 900 mil curtidas e mais de 330 mil
compartilhamentos. Resta saber se Lula também terá de “nevar” para melhorar a
popularidade e o desempenho do governo nas redes.
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