Protagonismo do País é afetado pela percepção do mundo
sobre como estamos equacionando nossos inúmeros problemas domésticos
O futuro, que tem por ofício ser incerto, está a se tornar
ainda mais incerto, imprevisível e perigoso. São momentosas as razões para que
seja assim. A relação cada vez mais conflituosa entre os EUA e a China nas
áreas econômica, tecnológica e militar; o agravamento dos conflitos no Oriente
Médio; a belicosidade da Rússia em relação à Europa; o desenvolvimento
vertiginoso da inteligência artificial e seu potencial de uso no
desenvolvimento de armas mais letais como também em campanhas de propaganda
política e desinformação. Tudo sob o dramático pano de fundo da mudança
climática, do risco de aumento de endemias e de grandes fluxos migratórios que
com grande frequência causam virulentas reações.
A avassaladora vitória eleitoral de Donald Trump deve a seus
olhos constituir um claro mandato para intensificar seu peculiar modus operandi
e sua visão sobre o que significa fazer a América “great again”. Anos atrás, a
revista The Economist sugeriu que as ações de Trump seguiam um roteiro padrão,
composto de três atos: fazer ameaças, alcançar acordos (propiciados pelas
ameaças) e declarar vitória sempre (“make threats, strike deals, always declare
victory”).
A julgar por suas declarações e postagens
neste momento que antecede sua posse no próximo dia 20, esse script vem sendo
seguido à risca por Trump, em várias frentes. Ameaçou impor tarifas (“a palavra
mais bonita do dicionário”) de até 60% sobre produtos chineses, e de 25% sobre
seus dois parceiros do acordo Nafta, Canadá e México. E também a produtos
importados da Dinamarca, caso esta não concorde com seu “projeto” para a
Groenlândia, “questão vital para a segurança nacional norteamericana”. Noticiou
o propósito de assumir o controle do Canal do Panamá e de mudar o nome do Golfo
do México para Golfo da América. Exibiu um mapa coberto com a bandeira
norte-americana que alcança todo o território do Canadá, ao qual já se referiu
como o 51.º Estado norte-americano. E voltou a pressionar os países europeus
para que elevem, agora para 5% do Produto Interno Bruto (PIB), seus gastos em
defesa.
E o Brasil, nesse complexo contexto? Nosso país terá neste
ano de 2025 a dupla e grande responsabilidade, na área internacional, de
presidir a COP-30 e a reunião anual do grupo Brics, agora ampliado para dez
países integrantes. Ambas a serem realizadas no Brasil, ambas a exigir
exaustivas negociações diplomáticas para que possam vir a ser consideradas
exitosas. Não será tarefa fácil, dado o conturbado contexto doméstico, o quadro
regional de grande instabilidade e uma situação global que inspira grande apreensão
dos pontos de vista econômico e geopolítico.
O protagonismo do Brasil, sua voz, seu prestígio, sua
influência na cena internacional são em larga medida afetados pela percepção
que tenha o resto do mundo sobre nossa influência e gravitas em nossa própria
região. E, ainda mais importante, sobre como estamos equacionando nossos
inúmeros problemas domésticos nas áreas econômica, social e
político-institucional.
A propósito, será proximamente lançado livro, organizado por
Ana Carla Abrão Costa, Ana Paula Vescovi e por mim, em homenagem ao
extraordinário Eduardo Guardia, que tão cedo nos deixou. O artigo que
escrevemos Ana Carla e eu, intitulado Desafios fiscais crescentes para 2026 e
muito além, abre com a seguinte epígrafe de Eduardo Guardia: “Estamos num
momento muito delicado no Brasil. Somos um país que tem oportunidades enormes.
Vejo isso hoje no mercado de capitais: novas tecnologias, novos setores. Mas vamos
olhar o País como um todo e enxergar os problemas que ou simplesmente não
estamos conseguindo resolver ou estamos empurrando para debaixo do tapete. Essa
é a grande obrigação de todos nós. Temos que ter uma compreensão dos desafios,
temos de exigir que o País caminhe na direção correta, porque estamos
acumulando uma quantidade imensa de problemas que vão tornando as soluções mais
custosas, mais difíceis”.
Essas palavras, proferidas em 2021, retêm relevância e
urgência para o debate que deveria ter lugar no caminho que nos levará às
eleições de outubro 2026 – e muito além. Democracias de grandes massas urbanas
(o Brasil é a terceira maior do mundo) não são propensas a adotar ações que
gerem no curto prazo custos para interesses específicos muito vocais, e
benefícios difusos e de longo prazo para a maioria. Que por vezes o façam, é
consequência de uma liderança incomumente corajosa ou de um eleitorado que compreende
os custos de adiar escolhas difíceis. Liderança corajosa e competente é coisa
rara, mas também é raro um eleitorado informado e comprometido.
O que exige educação para a liberdade. A qual, segundo
Aldous Huxley, “deve começar com a apresentação de fatos e enunciação de
valores e deve prosseguir, desenvolvendo técnicas adequadas para realizar esses
valores e combater aqueles que, por qualquer razão, optam por ignorar os fatos
ou negar os valores”. E no mesmo Admirável Novo Mundo Revisitado: “A
sobrevivência da democracia depende da capacidade de um grande número de
pessoas de fazer escolhas realistas à luz de informações adequadas”. É preciso que
nos empenhemos para que seja esse o nosso caso.
Parabéns ao Estadão pelos 150 anos. Que venham os próximos!
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