Até novembro, quando ocorrerá a COP, o Brasil inteiro
precisa imaginar qual é o rumo que sugerimos para o futuro da humanidade
Até recentemente, o mundo era a soma dos países, agora, cada
país é um pedaço do mundo; o mundo não é mais a soma de países soberanos, mas
um sistema integrado deles. Os problemas passaram a ser planetários: mudanças
climáticas, migração em massa, poder das big techs, crime organizado,
internacionalização das cadeias de produção, pobreza, desemprego, inteligência
artificial. Depois da radicalidade da globalização econômica e cultural, da
disponibilidade das estatísticas globais com possibilidade de processá-las em
computadores, das mudanças climáticas e depois da visão da Terra fotografada
desde o espaço, já não faz sentido dizer "o que importa é meu país".
Não se justifica mais dizer "Amazônia é nossa e podemos queimá-la,
pavimentá-la, explorar seu petróleo". A Amazônia é nossa, mas temos uma
responsabilidade para cuidar dela em nome da humanidade.
O mundo é um sistema de países, mas a
política continua a decidir por país soberano, no máximo conversando entre
eles, mas ainda com a visão de "o que importa é meu país". O mapa
mundi com forma de quebra-cabeça, onde cada país é uma peça, já não representa
a realidade onde todos são partes do conjunto. A geografia tradicional deixou
de representar a realidade social, econômica e cultural, mas continua
representando a realidade política. A geopolítica não representa a ecopolítica,
mas ainda é a maneira de tomar decisões.
Antes, a Terra era questão de astrônomos e a humanidade,
questão de filósofos. Agora, são temas do dia a dia, mas ainda não são questões
políticas, porque eleitores e eleitos não votam para resolver problemas do
mundo nem para fazer um mundo melhor no longo prazo; votam para seu país ser
mais rico nos próximos anos, barrando imigrantes para proteger privilégios e
para aumentar a produção industrial, mesmo contra as gerações futuras. Cada
país é um pedaço do mundo com futuro comum, mas cada eleitor vê o mundo como
reunião de países independentes e o seu, como o centro, não um pedaço do
planeta.
No seu livro Minhas frases dos outros, Thélio Queiroz Farias
cita frase de Joaquim Nabuco: "O verdadeiro patriotismo é o que concilia a
pátria com a humanidade". Com mais de cem anos, essa frase ainda é um
conceito de filosofia moral, não de prática política. Ao receber votos dos
eleitores individualistas, nacionalistas e imediatistas, cada dirigente
continua comprometido com seu país e com o imediato, não olhando o futuro do
mundo. Não adianta propor um impossível governo do mundo. A maneira de combinar
humanismo e democracia é definir valores morais de interesse da humanidade que
imponham limites ao poder dos eleitores de cada país: a moral fica humanista, a
política continua nacional.
Essa é a importância das COPs, onde, apesar do nome ser
Conferência das Partes, não do todo, diplomatas e militantes se reúnem para
discutir o futuro do mundo, não de cada país isoladamente. Embora o acordo
final deva ser aprovado e assinado conforme os interesses específicos de cada
país por seu respectivo governo, é possível ter otimismo com a COP 30 em Belém,
no próximo novembro. Primeiro, porque o Brasil é o país que melhor representa
ao conjunto da humanidade; segundo, porque temos um presidente que depende dos
votos nacionais, mas tem sensibilidade para os problemas mundiais, inclusive
por presidir um país retrato do mundo; terceiro, porque o presidente da COP 30
será um competente e respeitado diplomata com consciência dos problemas do
mundo.
Em Belém, na COP 30, sob a liderança do presidente Lula, com
competência do embaixador André Aranha Corrêa do Lago e com o prestígio da
ministra Marina Silva, o Brasil tem a grande chance de ser o país de onde possa
sair uma alternativa para o futuro da humanidade.
Para tanto, não devemos enfrentar os problemas do mundo sob
a ótica do "o que importa é meu país, depois o resto". Os países
desenvolvidos devem entender que o padrão de consumo de suas populações é
insustentável, ainda que construam muros e deixem os imigrantes morrendo do
outro lado, e os países em desenvolvimento — inclusive Brasil, Índia, China,
Nigéria — precisam perceber que cada um de seus ricos consome mais do que o
consumo médio de cada habitante dos países ricos.
Até novembro, o Brasil precisa pensar como Nabuco e promover
debates em escolas, universidades, clubes, associações, sindicatos, assembleias
estaduais, câmaras municipais, o Brasil inteiro imaginando qual é o rumo que
sugerimos para o futuro da humanidade, que ações tomar e do que estamos
dispostos a abrir mão com a consciência de que somos um pedaço do mundo.
*Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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