Governo Lula mantém essência perdulária do projeto que
prevê a renegociação da dívida dos Estados
Elaborado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), e defendido pelos Estados mais encalacrados do País, o projeto de lei
que cria novas regras para a renegociação das dívidas estaduais foi sancionado
pelo presidente Lula da Silva. Em outros tempos, o vergonhoso socorro mereceria
a rejeição integral da Presidência da República, mas o governo bem sabe que não
detém maioria no Congresso para fazer esse enfrentamento. Assim, limitou-se a
fazer nove vetos que mantiveram a essência perdulária do projeto.
A proposta, no limite, permitirá que os Estados zerem o
indexador que corrige suas dívidas sem sequer terem de cortar despesas. Bastará
que gastem em áreas consideradas prioritárias pelo Executivo, como o Ensino
Médio Técnico. A depender da adesão, a União deixará de receber R$ 48 bilhões
anuais, segundo cálculo do economista Manoel Pires, coordenador do Centro de
Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre.
Para piorar, o trecho do projeto com o maior potencial de
gerar danos à União foi preservado: a possibilidade de abatimento das dívidas
por meio da federalização de empresas estatais estaduais. Só quem ignora a
história recente pode achar que se trata de um bom negócio.
Basta lembrar o rombo que as antigas distribuidoras
estaduais de energia geraram para a Eletrobras quando foram federalizadas,
durante um processo de renegociação de dívidas estaduais realizado no governo
Fernando Henrique Cardoso. À época, a federalização dessas empresas seria algo
temporário, até que houvesse condições de oferecê-las à iniciativa privada.
Tudo mudou com a vitória de Lula da Silva na eleição de 2002. Passaram-se 20
anos até que as concessionárias fossem privatizadas, período ao longo do qual
elas consumiram R$ 25 bilhões.
Tentando justificar o injustificável – e a incessante
repetição de erros do passado –, o governo se fiou em um detalhe e destacou que
a troca de dívidas por estatais não poderá ocorrer sem o aval da União. Não
explicou, no entanto, quem fará a precificação das empresas e sob quais
critérios. Uma coisa já se pode afirmar: independentemente da avaliação, os
Estados certamente dirão que elas valem mais do que valem.
O governo federal também ignorou um alerta da área técnica
de que a incorporação dessas ações vai aumentar o endividamento líquido e
afetar o resultado primário, uma vez que a dívida a receber dos Estados é um
ativo financeiro, diferentemente das ações das estatais. E tudo isso em um
momento no qual o governo tenta desesperadamente recuperar a confiança dos
investidores, perdida desde o esvaziado pacote de corte de gastos aprovado no
fim do ano passado.
Nesse sentido, tem razão o ministro Fernando Haddad quando
disse que os governadores “nem sonhavam” que isso fosse possível e deveriam
agradecer ao governo pela sanção da proposta, que foi “muito além” do que eles
haviam pedido. De fato, a proposta é um presente para os Estados mais
endividados e mais ricos do País, todos governados pela oposição – Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo.
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