quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

VIOLÊNCIA NO PAÍS MAIS POBRE A FALAR O PORTUGUÊS

Editorial Folha de S. Paulo

Com indícios de fraudes nas eleições, Chapo assumirá Moçambique pressionado por protestos; miséria deteriora democracia

A crise política em Moçambique é mais um caso que evidencia a importância do desenvolvimento econômico para a proteção da democracia.

A nação africana, uma das dez mais pobres do mundo, corre risco de rumar à guerra civil devido a indícios de irregularidades nas eleições realizadas em outubro.

Segundo o resultado oficial, Daniel Chapo, candidato governista do partido de esquerda Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), venceu com 65% dos votos; já Venâncio Mondlane, da sigla de centro Partido Otimista pelo Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), obteve 24%.

Chapo tomará posse nesta quinta-feira (15), mas contestações sobre sua vitória indicam um futuro incerto e violento.

Em relatório de 15 de novembro, a Missão de Observação Eleitoral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa afirma que testemunhou contagem errada de votos e indícios de eleitores que votaram várias vezes.

O Centro para a Democracia e Direitos Humanos, ONG apartidária moçambicana, verificou "eleitores fantasmas" —quando há mais eleitores registrados do que adultos aptos a votar.

Houve divergências até mesmo na Comissão Nacional de Eleições, que supervisiona o processo eleitoral no país. Dos 13 comissários, 6 contestaram a deliberação do órgão que sancionou a vitória da Chapo.

As suspeitas de fraude desencadearam uma onda de protestos que vem sendo duramente reprimida pelas forças de segurança. Desde outubro, de acordo com a Plataforma Decide, ONG de Moçambique, foram computados 294 mortos, 604 feridos, 4.218 detidos e 22 desaparecidos.

O Frelimo está no poder há 50 anos, desde a independência ante Portugal em 1975. De 1977 a 1992, fez parte da guerra civil contra o partido Renamo, mais um dos conflitos regionais no contexto da Guerra Fria.

Após a primeira eleição multipartidária, em 1994, ensaiou-se uma política econômica de mercado, mas que logo se viu capturada por orientações estatistas e deteriorada pela corrupção endêmica no país.

Moçambique está na 183ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) composto por 193 países; 75% da população vive com menos de US$ 2,15 (R$ 13,11) ao dia, nível considerado de pobreza extrema.

Tal carência material extrema desestabiliza instituições democráticas, criando um círculo vicioso que mantém o sofrimento dos moçambicanos há décadas. Para quebrá-lo, há que aliar racionalidade econômica com respeito à liberdade política.

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