Nosso potencial é enorme, mas tudo faz crer que
permaneceremos aprisionados na ‘armadilha do baixo crescimento’
Os resultados econômicos razoáveis de 20232024 trouxeram
algum alívio aos corações brasileiros. Mas tais resultados não significam que
2025 será um mar de rosas, e muito menos que tenhamos cruzado o umbral do
crescimento sustentável. Tampouco devemos nos encher de orgulho quando alguém
nos lembra de que somos a “oitava economia do mundo”, visto que nossa oitava
posição apenas reflete o fato de sermos 210 milhões de brasileiros.
Examinado pelo prisma da distribuição da riqueza e da renda,
o quadro fica bastante pior. Dezenas de países (e não só a Escandinávia) têm
uma distribuição menos desigual que a nossa. Mas um só exemplo basta para não
confundirmos o desengonçado bater de asas de uma galinha com o majestoso voo de
uma águia. A Argentina mantém-se superior a nós tanto no tocante ao volume da
produção de bens e serviços, o Produto Interno Bruto (PIB), como em relação à
renda per capita, não obstante o fato de nossos irmãos do sul serem o caso
clássico de um país que conseguiu se alçar aos píncaros do desenvolvimento até
as primeiras décadas do século 20 e depois despencou de volta ao reles chão do
subdesenvolvimento.
Em tese, devemos convir que o Brasil não é
um país difícil de governar. Nossas diferenças étnicas (basicamente entre
brancos e pretos) não são virulentas como as dos Estados Unidos, embora seja
certo que, entre nós, os pretos permaneçam sub-remunerados pelo exercício de
uma mesma ocupação e sejam proporcionalmente mais vulneráveis à violência
policial. Noutros aspectos, nosso potencial de desenvolvimento é enorme, mas,
por ora, tudo faz crer que permaneceremos aprisionados na “armadilha do baixo
crescimento” por muito mais tempo que nossos vizinhos latino-americanos. Se a
eleição presidencial de 2026 repetir a estúpida polarização iniciada em 2018, o
Brasil que veremos não será para almas frágeis.
Peço vênia para lembrar alguns exemplos do horror que são as
nossas desigualdades. Um importante especialista, o professor José Pastore,
estima que as empresas precisam contratar cerca de 500 mil trabalhadores, mas
não conseguem fazê-lo porque o nível de capacitação da força de trabalho é
lamentável. Sabemos também que milhões de cidadãos não têm como saber hoje como
irão se alimentar amanhã. A questão que se impõe é, obviamente, por que isso
acontece.
É claro que não existe uma causa única. Trata-se de um
conjunto de fatores. O primeiro que vem à mente é a corrupção – seja a
corrupção nua e crua, seja aquela acobertada por diplomas legais. Sobre essa
última, este jornal informou no dia 16 do corrente mês que 97% dos magistrados
que integram o Tribunal de Justiça de Minas Gerais auferem salários
escandalosamente superiores ao limite máximo que a Constituição prescreve. E
nem é preciso lembrar que nossa burocracia pública deixou-se corroer até a
medula por grupos corporativos, que nela insculpiram toda uma variedade de
privilégios. Por que isso acontece?
Ninguém ignora que as estruturas econômica e política são
como irmãs siamesas. Na esfera econômica, mantemos até hoje a ilusão,
originária da ditadura getulista, de uma industrialização acelerada e movida
apenas por empresas estatais e recursos públicos. Mas que recursos são esses,
se passamos vários meses presenciando o contorcionismo do (sério) ministro
Fernando Haddad para fechar o Orçamento de 2025?
No que me toca, prefiro lembrar a máxima atribuída ao
general Charles de Gaulle: “D’abord, la politique”. Ou seja, primeiro, a
política. Dia sim e dia não ouvimos que nossa estrutura política é robusta e
está funcionando. Funcionando os Três Poderes estão, sem dúvida, mas só a
parcela semianalfabeta de nossa sociedade pode imaginar que eles estão
funcionando de forma independente e harmônica, como a Constituição determina.
Partidos políticos sérios e confiáveis, nunca tivemos, não temos e não é certo
que venhamos um dia a ter, daí decorrendo grande parte da balbúrdia que de
tempos em tempos se manifesta no Legislativo. Nossas camadas médias, além de
exíguas, são apáticas; não se interessam sequer por conhecer seus próprios
interesses. O que as norteia, obviamente com numerosas exceções, é bater o
ponto de saída e correr para casa para não perder a novela.
Dizendo-o concisamente, o problema ou um dos problemas
fundamentais é o grau espantoso de nossa ignorância política. A esse respeito,
parece-me essencial recorrer a uma estatística divulgada poucas semanas atrás
pelo renomado jornalista e escritor Ruy Castro. Baseando-se em mais de 5 mil
entrevistas feitas em todas as regiões do País, ele informa que 73% dos
brasileiros adultos não concluíram a leitura de um livro sequer durante o ano
passado. Sem leitura, como poderão os cidadãos aprimorar sua compreensão da
política?
Àqueles 73%, permito-me, pois, sugerir a leitura de uma das
mais belas reflexões sobre a política. Escrita mais de 400 anos antes de
Cristo, a Antígona, de Sófocles, na maravilhosa tradução de Guilherme de
Almeida. É um cristalino elogio do comedimento. E são apenas 48 páginas.
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