O recente anúncio de Mark Zuckerberg, presidente da Meta, sobre
mudanças nas políticas de moderação de conteúdo gerou mais polêmica por suas
implicações políticas — um alinhamento com Donald Trump e
setores conservadores — do que por suas implicações práticas. Em sua defesa,
Zuckerberg argumenta que as plataformas digitais não deveriam proibir debates
que estão em curso na sociedade. Mas será que a Meta está realmente aplicando
esse princípio?
No anúncio, Zuckerberg disse que, a partir de agora, a Meta
“abandonaria um monte de restrições em temas como imigração e gênero que estão
em descompasso com o discurso dominante”. Avaliou também que “o que começou
como um movimento para ser mais inclusivo foi usado cada vez mais para calar
opiniões e calar pessoas com ideias diferentes”. Em paralelo, o diretor de
assuntos globais da Meta, Joel Kaplan, explicou, numa publicação, que a Meta estava “se livrando de um monte
de restrições em assuntos como imigração e identidade de gênero, que são objeto
de intenso debate político”. E, completou:
— Não é certo que certas coisas possam ser ditas na TV ou na
tribuna do Congresso, mas não nas nossas plataformas.
Zuckerberg e Kaplan têm um bom argumento.
As regras que governam os limites da liberdade de expressão não podem se
adiantar ao consenso social. Não faz sentido que argumentos que são
apaixonadamente debatidos na esfera pública, quando publicados numa plataforma
de mídia social, sejam excluídos por moderadores. Não é razoável que o debate
sobre se mulheres trans devem ou não poder utilizar banheiros femininos não
possa acontecer nas mídias sociais, porque violaria as regras contra discurso
transfóbico. A sociedade precisa primeiro formar um certo consenso sobre isso
ser um direito — como acredito que é —e apenas depois isso deve ganhar a força
de uma regra sancionada.
Nos últimos tempos, os movimentos sociais têm investido mais
esforços em mudar as regras e as leis do que em convencer a sociedade das suas
posições. E quando os ativistas se dedicam a debater, a estratégia mais
utilizada não é a persuasão, mas o constrangimento moral, a acusação de que a
pessoa que discorda da posição dos movimentos é homofóbica, transfóbica,
misógina, machista ou racista.
Assim, é mesmo um problema o descompasso entre o estágio de
certos consensos sociais e as regras que governam a sociedade, sejam essas
regras leis nacionais, diretrizes de mídias sociais ou regras sociais de
constrangimento moral. Por isso, o argumento de Zuckerberg e Kaplan de que as
diretrizes do Facebook e do Instagram devem dar um passo atrás na moderação e
deixar certos debates acontecer faz sentido.
Só que não é isso o que a Meta está fazendo.
A mais importante mudança nas políticas de moderação da Meta é a
respeito do “discurso de ódio”, agora chamado de “conduta de ódio”. Lá, a nova
política passou a permitir “alegações de doença mental ou anormalidade quando
baseadas em gênero ou orientação sexual, considerando discursos políticos e
religiosos sobre transgenerismo e homossexualidade, bem como o uso comum e não
literal de termos como ‘esquisito’”.
Isso significa que passam a não ser excluídas publicações
que alegam que homossexuais são anormais, doentes ou esquisitos. Ora, nada
disso está em disputa na sociedade. Como demonstra pesquisa do Centro Pew, há muitos anos os países da América
Latina, da América do Norte e da Europa Ocidental formaram consensos
majoritários, de mais de 70% da população, de que a homossexualidade deve ser
aceita e respeitada. Em 2022, segundo o Datafolha,
79% dos brasileiros pensavam
assim.
Quem defende o discurso de que a homossexualidade é doença
ou desvio é uma minoria de fanáticos e intolerantes. A não moderação desse tipo
de discurso é um péssimo indicador. Ele sugere que essa mudança é apenas a
porta de entrada para uma série de outras mudanças que estão por vir e que não
buscam apenas, como alegado, a inclusão de debates que ainda estão vivos na
sociedade, mas a inclusão de discursos minoritários de grupos políticos
radicais com os quais Zuckerberg agora simpatiza.
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