Dono da Meta se alinha a Trump ao derrubar a checagem
profissional de postagens nas suas redes, mas o fato é que a mediação excessiva
nesse ambiente é ruim para a democracia
O dono da Meta, Mark Zuckerberg, informou que as postagens
nas redes sociais que sua empresa administra não serão mais submetidas ao
serviço de checagem de fatos. Ou seja, a veracidade do que ali circula passará
a ser atestada apenas pelos usuários – um sistema semelhante ao adotado por um
dos concorrentes da Meta, o X, de Elon Musk. Embora tenha embalado sua decisão
num discurso de defesa da liberdade de expressão, Zuckerberg obviamente foi
movido apenas pelos interesses comerciais de sua companhia: ao reorganizar seu
serviço de modo a afrouxar os controles e ampliar o espaço para postagens
políticas controversas, o empresário explicitamente se alinha ao futuro
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que critica de modo feroz a
moderação nas redes sociais. E Zuckerberg deixou claro que, em troca, gostaria
que o novo governo americano defendesse seus interesses em países que articulam
limites e regras mais duras para as redes sociais e para as “big techs” que as
gerenciam.
Dito isso, a decisão de Zuckerberg não muda rigorosamente
nada no universo das redes sociais. Seu único valor é provar que a mediação do
real nesse ambiente é simplesmente impossível, por mais formidável que seja a
estrutura de checagem de fatos, como era o caso da Meta.
E talvez seja o caso de dizer que Zuckerberg está certo ao
sugerir que a mediação excessiva nas redes sociais tem o potencial de
estigmatizar ou até criminalizar todo tipo de discurso vagamente político. Se é
de democracia que estamos falando, então é preciso haver mais, e não menos,
vozes e informações circulando, sejam falsas ou verdadeiras, agradáveis ou
repulsivas. A democracia é feita de cacofonia. Se todos pensam do mesmo modo ou
interpretam o mundo da mesma maneira, é porque estamos num regime totalitário.
Aliás, a despeito desse trabalho de verificação da
autenticidade das publicações, ninguém jamais esteve impedido de mentir nas
plataformas de Zuckerberg. As postagens mentirosas, no máximo, recebiam uma
sinalização negativa, o que limitava seu alcance, mas não eram excluídas.
Portanto, não se pode falar em censura, como fez Zuckerberg, afinadíssimo com
Trump.
Lamentavelmente, os arroubos retóricos de Zuckerberg, bem ao
estilo dos novos tempos em Washington, desviam a atenção do que realmente
importa nesse caso. Se por um lado há evidente interesse do empresário de
travestir de cruzada pela liberdade de expressão o que não passa de estratégia
de defesa de seus negócios nos muitos processos que enfrenta mundo afora,
inclusive nos Estados Unidos, por outro lado o caso todo enseja um debate
crucial sobre a liberdade e a responsabilidade.
Esse debate está torto no Brasil. O Supremo Tribunal
Federal, por exemplo, caminha para instituir a censura nas redes sociais, caso
realmente venha a anular o artigo do Marco Civil da Internet que determina a
exclusão de conteúdos nas redes somente depois de ordem judicial. Tudo isso
movido pela percepção de que a desinformação é o veneno da democracia.
De fato, a democracia depende de um acordo mínimo na
sociedade sobre os fatos, a partir dos quais as decisões políticas serão
tomadas. Se não há acordo, por exemplo, sobre a lisura das urnas eletrônicas,
malgrado não haver um fiapo de prova de que sejam violáveis, então nenhum
resultado eleitoral será aceito. A questão, aqui, é que essa desinformação não
pode ser combatida com censura, e sim com mais informação. E o fato de que os
resultados de todas as eleições desde a implantação das urnas eletrônicas foram
aceitos pela maioria absoluta da população e dos candidatos derrotados mostra
que a boa informação superou a má informação, sem que houvesse nenhuma
necessidade de impor censura.
Sempre vai haver quem invente bobagens sobre todos os
assuntos, e a internet e suas redes sociais ampliaram de modo formidável a
capacidade de disseminar essas bobagens. O antídoto contra isso não é a
limitação da circulação de desinformação, e sim a informação de qualidade,
apurada e editada pela imprensa segundo padrões éticos e profissionais. No
limite, a decisão de Zuckerberg, ao confirmar o caráter anárquico e
irresponsável das redes sociais, acabou por reafirmar o valor do jornalismo de
qualidade.
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