A defesa da liberdade e da democracia, diretriz
orientadora nos primeiros 50 anos do ‘Estadão’, veio a ser a senda do jornal no
século que se seguiu
O sesquicentenário do Estadão convida a visitar o papel
deste importante veículo de imprensa na história do País. O traço
característico da caminhada de 150 anos está na defesa e no respeito da
liberdade, cabendo destacar sua participação nos acontecimentos desde sua
fundação até o fim do primeiro quartel do século 20.
Ressaltam-se as figuras dos jovens fundadores, Rangel
Pestana e Américo de Campos, o primeiro, signatário do Manifesto Republicano de
1870, o segundo, integrante da Convenção de Itu de 1873, nascedouro do partido
republicano. Ambos estiveram comprometidos com a causa da abolição da
escravatura. São duas tônicas do novel jornal fundado em 4 de janeiro de 1875.
Como disse Martinho Prado Jr., em 16 de março de 1882, a causa da nefanda
escravidão estava na monarquia. A luta pela república andava junto com a da abolição.
Destacou-se, em caderno especial do
centenário da abolição, que A Província de São Paulo estimulou e deu grandes
espaços à criação de associações abolicionistas, divulgando notícias das
atividades das então existentes. Rangel Pestana, em primoroso editorial de 17
de agosto de 1883, unia o ideal republicano ao fim da escravatura, mesmo porque
o então projeto do governo era acanhado em face do pensamento nacional. Por
isso, ao festejar a abolição, n’A Província de São Paulo, em edição de 12 de
maio de 1888, se asseverou: o general que conseguiu a vitória “foi esse grande
anônimo que se chama povo”.
A edição de 16 de novembro de 1889 estampava em grandes
letras “VIVA A REPÚBLICA”, registrando-se na segunda página o contentamento
geral com o povo a confraternizar-se com júbilo. Formou-se um governo
provisório em São Paulo, um triunvirato composto exatamente por Rangel Pestana,
Prudente de Moraes e coronel Mursa, sendo secretário-geral do governo Julio
Mesquita.
A República, todavia, veio a ser dominada pela ditadura da
espada com Floriano Peixoto, se conspurcando com a política dos governadores
instalada por Campos Salles, consagrando o conluio espúrio entre o governo
central e os governos estaduais, em troca de favores facilitada pelo controle
do voto em aberto a perenizar o domínio dos chefetes locais. Não era, como
disse o constituinte de 1891 Martinho Prado Jr., “a República dos meus sonhos”.
Assim, não é contra o militar Hermes da Fonseca, mas contra
o militarismo e a situação degenerada da República que surge a candidatura de
Ruy Barbosa, na qual se empenha grandemente O Estado de S. Paulo, noticiando
eventos da campanha civilista. Retratamse, nos dias 16 de dezembro de 1909 e 24
de fevereiro de 1910, os comícios de Ruy em São Paulo e em Minas. As denúncias
e as soluções aventadas por Ruy estão em seu programa de governo, publicado na
edição de 16 de janeiro de 1910. Tais propostas continuam válidas passados 115
anos. Vejamos.
Ruy propunha, por exemplo, a proibição de o Congresso
inserir nas leis anuais disposições estranhas aos serviços gerais da
administração, autorizado o governo a vetar o Orçamento no que conflitar com
essa proibição. Refutava a sugestão da candidatura militar para comissões do
Senado desautorizarem decisões do Supremo Tribunal Federal, em um regime no
qual esse é “o árbitro irrecorrível da validade dos atos do Congresso”,
rejeitando ameaças a seus juízes com processo no Senado se persistir em suas
decisões.
Afirma Ruy sua preferência por tribunais coletivos, nos
quais a prolação dos votos sob a impressão viva dos debates é uma das vantagens
do sistema.
Ruy asseverava que, com a política dos governadores, os
Estados assumiram uma semissoberania no sistema federativo, um satrapismo
irresponsável e onipotente, em proveito de um grupo, de uma família,
facilitando reeleições. Segundo Ruy, instalou-se o conluio pelo qual o governo
federal se faz solícito aos maus governos, visando a um processo eleitoral
viciado, cumprindo, então, uma reforma moral para que a União deixe de ser o
guardacostas das oligarquias locais. Ruy perdeu, mas nem por isso o jornal deixou
de atuar em favor da reforma moral por ele mencionada.
Foi na linha dessa reforma que o jornal O Estado de S.
Paulo, pelo seu diretor Julio Mesquita, se empenhou em favor dos revoltosos do
Rio Grande do Sul, na revolução federativa de 1923, apoiando de todas as formas
a luta de Assis Brasil, que resultou no acordo de Pedras Altas, impedindo-se
mais uma reeleição de Borges de Medeiros.
Estourada a revolução em São Paulo, em julho de 1924, com
Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa, foi Julio Mesquita convidado a assumir o
governo provisório, o que não aceitou. Colocou-se, todavia, em forte atividade
na defesa da cidade de São Paulo, vítima de canhoneio, que matou centenas de
pessoas. Com essa ação em favor de sua cidade, terminou preso e o jornal,
fechado.
A defesa da liberdade e da democracia, diretriz orientadora
nos primeiros 50 anos de vida do Estadão, como acima lembrado, veio a ser a
senda do jornal no século que se seguiu, também continuando, resiliente, em
prol da moralização da República. •
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