Jogo de cena em Brasília esconde clima de faroeste entre
Lula, Congresso e STF
A levar em conta apenas a superfície dos discursos dos
presidentes do Senado
Federal, da Câmara
dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal (STF)
na abertura dos trabalhos em Brasília, está
tudo numa ótima. Diante dos microfones, os chefes dos três Poderes se mostraram
cheios de boa vontade uns com os outros, pregando harmonia, pacificação e
respeito à democracia. Por trás dos sorrisos e apertos de mão para fotos,
porém, o cenário está mais para um filme de faroeste em que os caubóis fazem
cara de paisagem enquanto engatilham as armas nos bolsos das calças.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
eleito com apoio do governo e da oposição sem precisar fazer nenhuma promessa,
começou o mandato empunhando a Constituição, dando vivas à democracia e
lembrando “Ainda estou aqui”. Logo ficou claro que seu principal alvo não será
o golpismo dos bolsonaristas ou dos militares, e sim o Supremo Tribunal Federal
e a ação pelo aumento da transparência nas emendas parlamentares.
Se é para haver transparência, disse Motta,
que seja total, já sugerindo criar uma plataforma única que detalhe os gastos
de todos os Poderes — mas todos mesmo, como frisou mais de uma vez. Nada do
sigilo de cem anos usado convenientemente pelo Planalto ou do segredo em torno
das viagens e ganhos extras de ministros do STF.
Davi
Alcolumbre (União
Brasil-AP) foi ainda mais direto no Senado:
“A recente controvérsia sobre emendas parlamentares ao
Orçamento ilustra a necessidade de respeito mútuo e diálogo contínuo. As
decisões do STF devem ser respeitadas, mas é igualmente indispensável garantir
que este Parlamento não seja cerceado em sua função primordial de legislar e
representar os interesses do povo brasileiro, inclusive, levando recursos e
investimentos à sua região”.
Se o STF insistir em dizer como eles devem gastar o dinheiro
das emendas e prestar contas, o Congresso reagirá.
O presidente do tribunal, Luís
Roberto Barroso, até respondeu: “Todas as democracias reservam uma parcela
de poder para ser exercida por agentes públicos que não são eleitos pelo voto
popular, para que permaneçam imunes às paixões políticas de cada momento”.
Mas o gesto que mais interessava, ele já tinha feito.
Acatando recomendação da Procuradoria-Geral da República (PGR),
Barroso mandou deixar com o ministro Kassio
Nunes Marques o caso do “Rei do Lixo”. O esquema bilionário de desvio
de emendas começou na Bahia, mas pode
arrastar dezenas de parlamentares de vários estados e partidos.
Um deles, o próprio Alcolumbre, cuja chefe de gabinete foi
flagrada desenrolando a liberação de uma emenda do “Rei do Lixo” no Ministério
da Integração e do Desenvolvimento Regional, comandado por um aliado dele.
O processo foi remetido ao STF porque surgiram evidências de
que o deputado Elmar
Nascimento (União Brasil-BA) foi
beneficiado pelo esquema. A Polícia
Federal, o Ministério Público e a Justiça da
Bahia pediram que o caso ficasse com o ministro Flávio Dino,
argumentando que está ligado à ação sobre as emendas. Sob Dino, acreditavam que
a investigação avançaria. Com Kassio, sabem que a tendência é não ir a lugar
nenhum — daí o alívio no Congresso.
A questão é chave porque deputados e senadores começaram o
ano cheios de apetite, buscando não só garantir que seus R$ 50 bilhões anuais
para emendas não sejam afetados, mas também aumentar seu poder na Esplanada dos
Ministérios, de olho na reformulação que Lula está
para fazer no governo. Se estiverem na defensiva, terão menos poder de
barganha.
Uma vez confiantes na barreira de proteção recém-erguida,
foram com sede ao pote. Alcolumbre já fez um primeiro movimento ao tentar apear
do cargo o ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira (PSD-MG).
Não rolou. Em entrevista a rádios mineiras, Lula disse que Silveira é
“excepcional” e tem feito uma revolução no setor elétrico:
“Vou falar em alto e bom som. Será mantido ministro. Não há
por que mexer”.
O presidente sabe que tem de calibrar o timing de suas
decisões. Precisa aprovar medidas importantes no Parlamento, de olho em 2026.
Brigar com Motta e Alcolumbre não ajuda, mas abrir espaço demais a um Congresso
vitaminado por emendas, que não precisa do governo para se reeleger, também não
garante nada. Por isso vai cozinhando a reforma em banho-maria, enquanto avalia
melhor para onde vão a ação de Dino, os humores do eleitorado e o caso do “Rei
do Lixo”.
A investigação está parada, mas ainda não morreu. O caminho
até o enterro definitivo será acidentado. No acervo da PF há pilhas de
celulares, HDs e pen drives ainda intocados, com potencial para causar bastante
estrago. E Nunes Marques pode muito, mas não pode tudo. Ainda há, portanto,
muita poeira no ambiente. Quem atirar fora de hora pode sair bem machucado.
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